Imprensa da CIDH
Washington D.C.- Por ocasião do marco de cinco anos após o início dos protestos sociais na Nicarágua, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa sua solidariedade com as vítimas das graves violações dos direitos humanos perpetradas desde 18 de abril de 2018, e com seus familiares. Além disso, exorta ao restabelecimento de um regime democrático na Nicarágua, através do estabelecimento de eleições livres, participativas e transparentes; um sistema de freios e contrapesos; e processos destinados a garantir o direito à verdade, à justiça e à reparação.
Os protestos sociais iniciados em 18 de abril de 2018 por pessoas idosas e apoiados por jovens e estudantes universitários em resposta às propostas de reforma da Lei de Previdência Social, refletiram espontaneamente o descontentamento social acumulado ao longo dos anos diante dos processos institucionais que estavam restringindo a expressão cidadã, cooptando instituições públicas e concentrando os poderes públicos no Executivo. Isto se devia a fatores como a instalação de fato de um estado de emergência, a quebra do princípio de separação de poderes e a falta de acesso a um sistema de justiça independente, igualitário e equitativo.
A resposta repressiva e violenta do Estado aos protestos e dissidências continua até hoje. A CIDH identificou diferentes estágios e níveis de intensidade, o que desencadeou uma crise política, social, econômica e de direitos humanos que continua a se aprofundar. De fato, durante os últimos 5 anos na Nicarágua, estas violações resultaram na morte de pelo menos 355 pessoas; mais de 2.000 pessoas feridas; 2.090 pessoas privadas de liberdade; 322 pessoas arbitrariamente privadas de sua nacionalidade; e mais de 3.000 organizações que perderam a personalidade jurídica. Além disso, 26 pessoas permanecem detidas arbitrariamente, de acordo com dados de 31 de março de 2023.
A CIDH registrou mais de 400 demissões de pessoas trabalhadoras da saúde por realizar seu trabalho ou assumir uma posição crítica contra o governo, inclusive no contexto do enfrentamento da pandemia da COVID-19. Da mesma forma, persistem represálias e prisões arbitrárias contra estudantes e líderes universitários que participaram de protestos sociais. Desde 2018, mais de 150 estudantes foram expulsos de suas universidades; além disso, mais de uma dúzia de universidades privadas e centros de estudo foram fechados à força para limitar a liberdade acadêmica em todo o país.
Após a posse de Daniel Ortega por um quarto mandato consecutivo, a CIDH observou a radicalização de uma nova fase repressiva destinada a suprimir o espaço cívico e democrático na Nicarágua, através do fechamento em massa das organizações da sociedade civil, o desmantelamento dos movimentos sociais e da mídia - restringindo a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão - bem como a perseguição seletiva de qualquer pessoa que questione o governo em qualquer esfera de participação cívica e social e seja, portanto, considerada uma opositora do governo, incluindo na esfera religiosa.
Até agora, em 2023, a CIDH condenou a escalada das novas violações dos direitos humanos. Em particular, a libertação da prisão de 222 pessoas no dia 9 de fevereiro, que foram arbitrariamente privadas de sua nacionalidade após serem "deportadas" para os Estados Unidos, como forma de punição. Isto não estava previsto na legislação interna e contraria o princípio de legalidade e não retroatividade das sentenças. Da mesma forma, no dia 15 de fevereiro, a CIDH se manifestou contrária à resolução judicial que retirou a nacionalidade de 94 outras pessoas identificadas como opositoras políticas, além de privá-las de seus direitos políticos e de todos os seus bens, e as condenou como "fugitivas da justiça" e "traidoras da pátria" sem qualquer processo prévio.
Nesta etapa de fechamento e controle total, a repressão contra setores críticos da Igreja Católica Nicaraguense e as restrições à liberdade religiosa da população se intensificaram. Nos últimos dias, mais de 20 pessoas foram presas em diferentes partes do país, algumas delas por desrespeito à proibição policial das celebrações católicas em espaços públicos. Entre outros, destaca-se o caso do jornalista Victor Ticay, que foi preso em 6 de abril por cobrir uma procissão religiosa no município de Nandaime. Até hoje, três padres continuam arbitrariamente privados de sua liberdade, entre eles Monsenhor Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa, condenado pelo crime de "traição" a 26 anos de prisão e privado de sua nacionalidade e de seus direitos políticos.
No decorrer do ano de 2023, a CIDH também vem monitorando uma série de ataques contra comunidades indígenas na costa do Caribe, inclusive contra comunidades beneficiárias de medidas de proteção concedidas no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Segundo as informações recebidas, um dos últimos ataques foi perpetrado no dia 11 de março por colonos armados na comunidade Wilú e resultou na morte de pelo menos cinco pessoas, várias pessoas ficaram feridas, e algumas famílias sofreram deslocamento uma vez que se viram forçadas a fugir para proteger suas vidas. Estes eventos fazem parte de um padrão sistemático de ataques às comunidades indígenas da costa do Caribe que afetaram seriamente o direito à vida e à integridade física de seus membros, bem como o direito à terra, ao território e à sobrevivência das comunidades.
Como antecedente, no Relatório de 2018, a CIDH concluiu que a violência do Estado teve como objetivo dissuadir a participação nas manifestações e sufocar esta expressão de dissidência política, seguindo um padrão caracterizado pelos seguintes elementos: (a) uso excessivo e arbitrário da força policial, incluindo a força letal, (b) o uso de grupos paramilitares ou tropas de choque com a aquiescência e tolerância das autoridades estatais, (c) obstáculos ao acesso aos cuidados médicos de emergência para as pessoas feridas, como uma forma de represália por sua participação nas manifestações, d) um padrão de prisões arbitrárias de jovens e adolescentes participantes de protestos, e) a disseminação de campanhas de propaganda e estigmatização, medidas de censura direta e indireta, f) intimidação e ameaças contra lideranças de movimentos sociais e g) falta de diligência no início de investigações sobre os assassinatos e ferimentos ocorridos neste contexto.
O Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI-Nicarágua) indicou que, no contexto do ataque sistemático conta a população civil em retaliação aos protestos sociais, foram realizados atos que, segundo o direito internacional, devem ser qualificados como crimes contra a humanidade.
Todas as violações dos direitos humanos documentadas desde 2018 até hoje, estão em estado de total impunidade devido à falta de independência dos poderes públicos e, em particular, à ausência de um sistema de justiça imparcial e independente, o que sustenta um clima de terror e censura entre a população. Finalmente, a CIDH observa que a crise política, social e de direitos humanos, juntamente com a perseguição de qualquer pessoa considerada opositora, continua a forçar milhares de pessoas a fugir da Nicarágua. Mais de 250.000 pessoas teriam sofrido deslocamento forçado para outros países desde 2018.
Neste grave contexto, e cinco anos após o início desta crise de direitos humanos que afeta o país, a Comissão expressa sua solidariedade com as vítimas e a população nicaraguense e reitera seu compromisso de continuar trabalhando para defender e promover os direitos humanos na Nicarágua através de todas as suas ferramentas convencionais, em particular através de seu Mecanismo Especial de Acompanhamento para a Nicarágua (MESENI). Finalmente, a CIDH convoca os Estados da região e a comunidade internacional a promoverem o retorno à democracia e o pleno Estado de Direito na Nicarágua.
A CIDH segue trabalhando na construção e atualização de bancos de dados e na preparação de relatórios que podem contribuir para os esforços de proteção da verdade histórica e garantir o acesso à justiça às vítimas de graves violações dos direitos humanos em um eventual processo de transição para a democracia. Neste sentido, publica o registro histórico das pessoas privadas de liberdade por razões políticas na Nicarágua entre 18 de abril de 2018 e 10 de fevereiro de 2023, que se encontra disponível no website da CIDH.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 067/23
2:08 PM