Imprensa da CIDH
Washington, D.C. - Diante da sentença emitida pela Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela que reafirmou a competência da jurisdição penal sobre infrações militares cometidas por civis, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) faz um apelo ao Estado para que abandone definitivamente o julgamento de civis por tribunais militares.
A CIDH tomou conhecimento da sentença nº. 0246 do TSJ de 14 de dezembro de 2020 que, embora tenha mencionado as normas interamericanas para anular uma decisão do Tribunal Militar Décimo de Controle do Circuito Judicial Penal do Estado de Zulia em favor de dois civis, reafirmou a possibilidade de que a jurisdição penal militar encarregue-se de infrações militares cometidas por civis. Na opinião da Comissão, este raciocínio não responde ao caráter absoluto da proibição de julgar civis perante a jurisdição penal militar.
De acordo com informações da sociedade civil, desde o dia primeiro de janeiro 2014, pelo menos 870 civis teriam sido apresentados perante a jurisdição militar; destas pessoas, ao menos 19 seguem privadas de liberdade. No ano 2020, destacou-se o caso do líder sindical Rubén González, que teve condena confirmada por uma Corte Marcial de Caracas de cinco anos e nove meses de privação de liberdade, imposta pelo Tribunal Militar Quinto de Julgamento do Estado de Monagas. Em 2018, o médico cirurgião Iván Marulanda foi preso e apresentado perante os tribunais militares em Fuerte Tiuna, permanecendo privado de liberdade por mais de dois anos. Em 2017, o TSJ declarou que o deputado opositor Gilber Caro não contava com imunidade parlamentar por tratar-se de um deputado suplente, autorizando assim a sua detenção e julgamento perante a jurisdição penal militar por traição à pátria. Além disso, resulta especialmente preocupante para a Comissão o fato de que o uso da jurisdição militar tenha se intensificado durante os episódios de manifestações, como ocorreu no ano de 2017, quando mais de 750 pessoas civis foram apresentadas perante essa jurisdição.
A CIDH reitera que, em um Estado democrático de Direito, a jurisdição penal militar deve ter um alcance restritivo e excepcional e estar destinado à proteção de interesses jurídicos especiais, vinculados às funções que a lei assigna às forças militares. Assim, deve estar excluído do âmbito da jurisdição militar o julgamento de civis e somente deve julgar militares pela comissão de delitos ou faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios da ordem militar. Consequentemente, é prioritário que o Estado da Venezuela adote as medidas necessárias, incluindo as de índole legislativa, para adequar seu ordenamento interno, assim como reconduzir perante a jurisdição ordinária todas as causas judiciais que não deveriam ter sido tratadas pela jurisdição penal militar em primeiro lugar.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 071/21