Libertad de Expresión

4. CAPÍTULO III - JURISPRUDÊNCIA (cont)

c)          Difamação

38. Esta seção refere-se a casos em que foram abertas ações por difamação contra os denunciantes por supostos danos à reputação de outra pessoa ou pessoas devido ao exercício do direito à livre expressão. A jurisprudência européia e a jurisprudência norte-americana compartem o princípio de uma distinção entre a pessoa privada e a pessoa pública, considerando que esta última demonstre maior grau de tolerância quando se trata de avaliação pública. O sistema interamericano vem defendendo que as leis de difamação podem implicar em abusos que, por sua vez, levam a uma restrição do direito à liberdade de expressão. Nos casos descritos a seguir, a Corte Européia analisa o interesse da reputação do indivíduo submetido a escrutínio público contra a importância do direito à liberdade de expressão e informação. Em alguns destes casos, as partes supostamente difamadas são funcionários públicos ou pessoas públicas, enquanto que em outros casos se trata de particulares.

i)       Lingens contra Áustria

39. No caso de Lingens contra Áustria de 1986,[1] a Corte decidiu por unanimidade que havia uma violação do artigo 10 da Convenção Européia. O demandante, um jornalista e editor da revista de Viena Profil, publicou dois artigos que mencionavam a participação de austríacos em atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.  Os artigos apareceram depois de uma eleição geral. A esperança era que o Chanceler austríaco formasse uma coalição com o partido do Sr. Peter a fim de permanecer no  poder. Entretanto, pouco depois das eleições, foram feitas revelações sobre o passado nazi do Sr. Peter. O Chanceler defendeu o Sr. Peter e atacou os delatores, cujas atividades descreveu como “métodos mafiosos”. Os artigos do demandante criticavam agudamente o Chanceler por proteger a ex-nazis, utilizando expressões como “oportunismo da pior espécie”, “imoral” e “indigno” para descrever sua atitude. O Chanceler interpôs uma ação por difamação e o  Tribunal  Regional de Viena, argumentando que o Chanceler havia sido criticado em sua condição de particular, aplicou ao demandante uma multa de 20.000 xelins.  Na instância superior, a multa foi reduzida a 15.000 xelins. 

40. A Corte ressaltou que a imprensa desempenha um papel importante no debate político e estabeleceu que os princípios de crítica aceitável são, no caso de uma pessoa “pública”, mais amplos que no caso de uma pessoa “privada”:

A liberdade de imprensa (...) outorga ao público um dos melhores meios para conhecer as idéias e atitudes dos  líderes políticos e formar uma opinião a respeito.

Os limites da crítica aceitável são, portanto, a respeito de um político, mais amplos que no  caso de um particular.  Com relação a uma pessoa pública exite inevitavelmente um rigoroso escrutínio de todas suas palavras e fatos por parte de jornalistas e da opinião pública e, consequentemente, deve demonstrar um maior grau de tolerância. Sem dúvida, o artigo 10, inciso 2 (art.10-2) permite a proteção da  reputação dos  demais –isto é, de todas as pessoas- e esta proteção  compreende também os políticos, ainda que não estejam atuando em caráter de particulares, mas nesses casos os requisitos desta proteção têm que ser ponderados em relação aos interesses de um debate aberto sobre os assuntos políticos.[2]

41. Ao examinar se a restrição era “necessária numa sociedade democrática”, a Corte concluiu negativamente, afirmando que a multa imposta ao demandante constituía uma violação do direito à liberdade de expressão.  Ao chegar a esta conclusão, a Corte observou que o demandante havia utilizado as expressões impugnadas para criticar a atitude do Chanceler como político em relação aos ex-nazistas na sociedade austríaca. Portanto, a Corte considerou que o demandante havia criticado o Chanceler em seu carácter de pessoa pública e não de particular.  Além disso, a Corte assinalou que os comentários haviam sido formulados como pano de fundo de uma controvérsia pós-eleitoral.  A Corte também assinalou que os fatos em que o demandante havia fundamentado seus artigos não podiam ser controvertidos e que o demandante havia sido multado por ter utilizado palavras duras para descrever a atitude do Chanceler.  A Corte entendeu que, nestes casos:

 Énecessário fazer uma distinção cuidadosa entre os fatos e os juízos de valor.  A existência de fatos pode ser demonstrada, enquanto que a verdade dos  juízos de valor não é suscetível de prova (...)

 O requisito da  prova sobre os juízos de valor infringe a própria liberdade de opinião que é parte fundamental do direito.[3]

 ii)        Barfod contra Dinamarca

 42. No caso de Barfod contra Dinamarca de 1989,[4] o Governo local da Groelândia decidiu introduzir um tributo aos cidadãos dinamarqueses que trabalham nas bases norteamericanas na Groelândia. Uma série de pessoas impugnaram esta decisão, que foi adotada pelo governo local por dois votos contra um. Dois juízes nomeados (empregados do governo local) votaram a favor do governo, e um juiz de carrera votou pelos demandantes. O demandante publicou um artigo jornalístico no qual expressava que os dois juízes nomeados deveriam ter sido desqualificados devido ao conflito de interesses, e questionou suas capacidades e faculdades para decidirem imparcialmente no  caso interposto contra seu empregador, o governo local. Também sugeriu que, ao decidir em favor do governo, os juízes nomeados haviam “cumprido com seu dever”. O juiz de carreira da Alta Corte considerou que este último comentário sobre os dois juízes nomeados podia prejudicar suas reputações, e consequentemente afetar a confiança no sistema legal, e impôs uma multa ao demandante conforme o Código Penal da Groelândia.

43. No caso Barfod, a Corte considerou que o governo havia interferido com a liberdade de expressão do demandante para proteger a reputação de outros e indiretamente para manter a autoridade e imparcialidade da  justiça.  Ao examinar se a interferência  era proporcional e, portanto, necessária numa sociedade democrática, a Corte ressaltou que “essa proporcionalidade implica que a consecução dos objetivos mencionados no artigo 10(2) deve ser examinada em contraposição ao valor do debate aberto de temas de preocupação pública”.  A Corte assinalou que, para chegar a um equilíbrio justo entre estes dois interesses, é preciso considerar a importância de não desincetivar no  público a expressão de suas opiniões sobre assuntos de interesse público por temor a sanções penais ou de outra índole.  No presente caso, a Corte considerou que o  artigo  em questão continha dois elementos: 1) uma crítica à composição do tribunal e 2) uma declaração que afirmava  que os juízes nomeados emitiam seus votos como empregados do governo local e não como juízes independentes e imparciais.  A Corte declarou que a interferência  apontava para o segundo elemento.  A Corte concluiu que a interferência  não chegava a restringir o direito do demandante a criticar publicamente a composição dos  tribunais nacionais. A Corte ressaltou que o demandante não apresentou nenhuma  prova de que as decisões dos  juízes estivessem afetadas por sua condição de empregados públicos.  Além disso, a Corte entendeu que o legítimo interesse do Estado na  proteção da  reputação dos  juízes não estava em conflito com o direito do demandante a participar no debate público acerca da composição dos  tribunais internos que decidiam sobre assuntos tributários. Ao invés de considerar o tema da crítica pessoal do demandante contra os juízes como parte do debate político, a Corte concluiu que as acusações eram difamatórias, capazes de afetar negativamente a imagem pública dos juízes, e não eram sustentadas por nenhuma prova. A Corte concluiu que o contexto político em que o caso foi formulado era irrelevante para o aspecto da proporcionalidade. A Corte concluiu que não havia violação alguma do artigo 10.

iii)                Castells contra Espanha

44. No  caso de Castells contra Espanha de 1992,[5] a Corte decidiu que havia sido cometida uma violação do direito à liberdade de expressão.  O demandante, um parlamentar  do partido de oposição, publicou um artigo queixando-se da inércia das autoridades quanto aos  vários ataques e homicídios ocorridos no  País Basco.  O artigo  alegava também que a polícia era cúmplice e inferiu que o governo era responsável.  Foi interposta uma ação penal contra o demandante por insultar o governo, foi retirada sua  imunidade parlamentar e ele foi condenado e sentenciado a prisão com livramento condicional. 

45. A Corte concluiu que houve uma interferência no objetivo legítimo de proteger a reputação de outros e evitar a desordem. Ao examinar se a interferência  era necessária numa sociedade democrática, a Corte reiterou que o artigo 10 protege contra idéias que perturbem ou ofendam. A Corte entendeu também que a liberdade de expressão é particularmente importante para os representantes eleitos pois defendem interesses de seus eleitores.  Portanto, a Corte declarou que examinaria rigorosamente as restrições contra um parlamentar. A Corte também destacou a importância da imprensa numa sociedade democrática, declarando que a liberdade de imprensa oferece aos cidadãos um dos melhores meios para conhecer as idéias e opiniões de seus dirigentes políticos. 

46. Ao aplicar estes princípios aos fatos em questão, a Corte reconheceu  que o demandante havia denunciado a impunidade dos autores de vários ataques no País Basco.  De acordo com a Corte, esta informação era de grande interesse para a opinião pública.  Adicionalmente, a Corte observou que o demandante havia formulado graves acusações contra o governo. Contudo, a Corte considerou que os limites da  crítica permissível são mais amplos em relação ao governo que aos particulares ou políticos. A Corte assinalou também que a posição de predomínio do governo torna necessário a contenção ao impor sanções penais, em particular quando são disponíveis outros meios para repudiar ataques e críticas injustificados. Todavia, a Corte destacou que, como garantidores da ordem pública, o Estado pode impor medidas penais com o “propósito” de reacionar adequadamente e sem excessos perante acusações difamatórias carentes de fundamento ou formuladas de má-fe.  Além disso, a Corte designou um valor substancial ao fato de que o tribunal interno não tenha  admitido provas que demonstravam a afirmação do demandante. A Corte concluiu que a interferência na liberdade de expressão do demandante não era necessária numa sociedade democrática.[6]

iv)             De Haes e Gijsels contra Bélgica

47. Em 1997, a Corte examinou o caso de De Haes e Gijsels contra Bélgica.[7]  Os demandantes eram o editor e um jornalista de uma revista semanal.  Eles publicaram cinco artigos em que criticavam os juízes num processo de divórcio por outorgar a custódia dos filhos ao Sr. X, um nazista confesso que havia sido submetido a uma ação penal por incesto e abuso de crianças. Os artigos acusavam os  juízes de compartir as simpatias políticas do pai e basearam sua crítica em relatórios médicos que demonstravam que as crianças regressaram das visitas com seu pai com evidências de terem sofrido violação. Os juízes e o advogado geral interpuseram uma ação civil por difamação contra os demandantes. Nesta ação foram concedidos danos morais e uma ordem que exigia que os demandantes publicassem a sentença em sua revista e pagassem sua publicação em outros seis jornais. Os demandantes alegaram que se havia violado o direito à liberdade de expressão.

48. A Corte assinalou que, num processo penal por difamação interposto pelo Sr. X contra familiares que formularam uma denúncia penal contra ele por incesto, um tribunal nacional concluiu que não tinham razão alguma para duvidar das alegações dos  familiares e absolveu os acusados. Com base nesta informação, a Corte concluiu que os demandantes não podiam ser acusados de falharem com suas obrigações profissionais por publicar o que sabiam sobre o caso.  A Corte reiterou que a imprensa tem o dever de informar sobre assuntos importantes de interesse público, particularmente quando tais assuntos incluem alegações muito graves, tais como o abuso de crianças e o funcionamento do sistema judicial. A este respeito, a Corte observou que os demandantes haviam declarado num dos artigos que “não compete à imprensa usurpar o papel da  justiça, mas neste caso escandaloso é impossível e impensável que permaneçam em silêncio.”

49. A Corte Européia também observou que o advogado geral que interpôs a ação no  caso de De Haes[8] não duvidou da informação publicada acerca do destino dos  filhos do Sr. X, exceto a declaração de que o caso havia sido retirado dos  tribunais nacionais.  Na opinião da Corte, este último fato, em comparação com os artigos em seu conjunto e o fato de que os demandantes o mencionaram, não pode impor dúvidas sobre a confiabilidade do trabalho jornalístico.

50. A Corte observou que o governo havia acusado os demandantes de efetuar ataques pessoais contra os juízes e o advogado geral com carácter difamatório, que equivaleriam a um ataque contra sua honra.  O governo alegou que os demandantes invadiram a vida privada dos  juízes ao acusá-los de ter simpatias pela extrema direita.  Um tribunal interno entendeu que os demandantes formularam declarações não provadas sobre a vida privada do advogado geral e dos  juízes.  Na opinião da Corte, existe uma importante diferença entre os fatos e os juízos de valor.   A existência de fatos pode ser demonstrada, enquanto a verdade dos  juízos de valor não pode ser provada. A Corte também considerou que a informação que os demandantes reuniram a respeito das simpatias políticas dos  juízes poderiam indicar que suas simpatias eram pertinentes para as questões examinadas. A Corte declarou que o artigo 10 protege contra idéias que podem ser perturbadoras ou ofensivas.  A Corte afirmou que “a liberdade jornalística compreende o uso de um certo grau de exagero, inclusive de provocação.”  Ao avaliar o contexto do caso, a Corte considerou que as acusações equivaliam a uma opinião, cuja verdade não podia ser provada.  A Corte entendeu que a opinião neste caso não era excessiva. A Corte argumentou que, ainda que os comentários fossem sumamente críticos, eram proporcionais à “comoção e indignação” causadas pela  matéria dos  artigos. Tendo em conta a gravidade das circunstâncias e as questões em jogo, a interferência  não era necessária. A Corte considerou, porém, que a interferência  havia sido necessária somente na medida em que assinalava as tendências políticas de um  juiz.  Dado que a interferência  não era necessária em relação a certos elementos do caso, a Corte entendeu que o Estado havia violado o artigo 10.

v)         Bladet Tromsø e Stensaas contra Noruega

51. No  caso de Bladet Tromsø e Stensaas contra Noruega de 1999,[9] a Corte estimou que havia existido uma violação do direito à liberdade de expressão.  Os demandantes eram uma empresa que publicava o jornal e o redator responsável deste jornal.  O jornal publicou artigos com base nas descobertas de um inspetor designado oficialmente que viajou a bordo de um barco de pesca de focas.  No  relatório se alegava que os caçadores de focas atuaram ilegalmente por não cumprir com a regulamentação.  O relatório foi temporariamente retirado da  publicação do Ministério de Pesca  porque as pessoas nomeadas foram acusadas de conduta delitiva.  Após a instauração da ação por difamação por parte dos  tripulantes contra os demandantes, certas declarações foram consideradas  difamantes e, portanto, nulas.  Os demandantes tiveram que pagar uma indenização à tripulação.

52. A Corte Européia considerou que as razões do Estado para a interferência  eram pertinentes para o objetivo legítimo de proteger a reputação ou os direitos dos sujeitos do artigo.  Ao determinar se essas razões eram suficientes, a Corte mencionou que não devia considerar os artigos isoladamente.  Pelo contrário, a Corte entendeu que devia considerar os antecedentes em que se basearam as declarações.  A este respeito, a Corte indicou que o artigo 10 protege contra idéias que ofendem ou perturbam.  Adicionalmente, a Corte comentou que a responsabilidade dos  meios de comunicação é divulgar informação e idéias em relação a assuntos de interesse público.  Ao avaliar  os fatos do caso à luz do contexto mais amplo, a Corte concluiu que o propósito dos  artigos não era acusar as pessoas de cometer atos ilegais; pelo contrário, como o jornal publicou outros pontos de vista em relação à questão, os artigos foram publicados para apresentar as opiniões de uma das partes num debate.

53. A Corte também mencionou que é necessário examinar cuidadosamente quando as medidas impostas pelo Estado podem desincentivar a participação da  imprensa em debates sobre questões de legítima preocupação pública.  A Corte, porém, entendeu que o exercício da liberdade de imprensa implica em deveres e responsabilidades, a saber, o dever de atuar de boa-fé para oferecer informação precisa e confiável de acordo com a ética do jornalismo.  Por último, ao determinar se o jornal tinha o dever de verificar as conclusões do relatório que citava, a Corte considerou dois fatores: 1) a natureza e o grau da  difamação e 2) a medida em que o jornal poderia razoavelmente considerar que o relatório Lindberg era confiável em relação às denúncias em questão.  Com referência ao ponto n. 1, a Corte considerou que, embora as denúncias implicavam uma conduta condenável, essas denúncias não eram particularmente graves.  Além disso, a Corte considerou que, embora outras declarações fossem relativamente graves, o possível efeito adverso para os sujeitos do artigo  estava atenuado por vários fatores, incluindo o fato de que a crítica não apontava para todos os tripulantes nem a um membro da  tripulação em particular.  Ao determinar a confiabilidade do relatório, a Corte primeiramente mencionou que a imprensa normalmente tem direito a recorrer ao conteúdo de relatórios oficiais sem corroborar seus fatos mediante uma investigação independente.  A Corte considerou que, no  momento da  publicação do artigo  pelo jornal, o Ministério de Pesca, que encomendou o relatório, não expressou nenhuma dúvida acerca da  validez do mesmo ou da  competência do autor.  A Corte também concluiu que o jornal adotou  medidas para proteger a reputação de alguns caçadores de focas, e que o jornal poderia razoavelmente basear-se num relatório oficial sem ter que realizar sua própria investigação.  A Corte considerou que o jornal havia atuado de boa-fé. A Corte concluiu que o interesse dos  tripulantes em proteger sua reputação não era suficiente para contrariar o interesse público vital de garantir um debate informado sobre uma matéria de interesse local, nacional e internacional.  Portanto, na opinião da  Corte, as razões em que se baseou o Estado não eram suficientes para demonstrar que a interferência  era necessária numa sociedade democrática.  Além disso, apesar da margem de apreciação das autoridades nacionais, a Corte entendeu que a interferência  não era proporcional ao objetivo legítimo perseguido.

vi)                Dalban contra România

54. No caso Dalban contra România de 1999,[10]  a Corte entendeu que o Estado havia violado o artigo 10 porque condenar a um jornalista por publicar informação supostamente difamatória sem demonstrar que esta informação não era autêntica, não era proporcional em relação ao objetivo legítimo de proteger a reputação de terceiros. A demandante era viúva do jornalista Sr. Dalban. Dalban escreveu vários artigos  numa revista local que ele dirigia, alegando fraude de parte de G.S., chefe executivo de uma empresa agrícola estatal.  Adicionalmente o Sr. Dalban formulou alegações contra o Senador R.T., que integrava a direção da  empresa agrícola, indicando que ele havia se beneficiado indevidamente com o cargo de direção.  O Sr. Dalban foi condenado por difamação, recebeu uma sentença que foi suspensa, teve que pagar as custas e foi proibido de praticar sua profissão.  Na  instância superior, foi determinada a prescrição, e em outra instância de apelação perante o Procurador Geral, a Suprema Corte anulou a condenação do  Sr. Dalban em relação a D.S. argumentando que o jornalista havia atuado de boa-fé.  Com relação à ação relacionada a R.T., a Suprema Corte revogou a condenação de Dalban e, embora tenha determinado  que este havia sido corretamente condenado, decidiu arquivar o processo devido o falecimento do jornalista.  Como viúva do Sr. Dalban, a demandante procurou uma  indenização do Estado alegando a violação do artigo  10.  A Corte considerou que a demandante era uma vítima independentemente do fato de que os tribunais internos tenham revogado uma de suas condenações e anularam a outra em razão do falecimento do Sr. Dalban.  A Corte concluiu que os tribunais internos não ofereceram uma reparação adequada como exige a legislação nacional, e entendeu que o Sr. Dalban havia sido corretamente condenado. 

55. A Corte baseou-se nos princípios estabelecidos no caso Bladet Tromsø, e observou que os artigos em questão vinculavam-se com matérias de interesse público –a gestão de ativos do Estado e a maneira em que os políticos desempenahvam suas funções.  A Corte mencionou também que não existía prova alguma de que a descrição dos  fatos do artigo  fosse totalmente  falsa e destinada a promover uma campanha difamatória contra G.S. e o  Senador R.T.  Adicionalmente, a Corte destacou que o Sr. Dalban não escreveu sobre aspectos da  vida privada do Senador R. T., mas focalizou-se no comportamento e as atitudes do Senador na sua qualidade de representante eleito.  A Corte também reconheceu que no  processo por difamação contra G.S. o tribunal interno concluiu que o promotor não pôde oferecer suficiente informação para determinar que a informação que o Sr. Dalban havia  publicado era falsa.  Por último, a Corte indicou que o governo não respondeu à afirmação da  Comissão  Européia de que a condenação do demandante não era necessária numa sociedade democrática.  A Corte concluiu que a condenação do Sr. Dalban não era proporcional ao objetivo legítimo que se perseguia e, que, portanto, o Estado havia violado o artigo  10.

vii)       Bergens Tidende e outros contra Noruega

56. A questão voltou a ser examinada no  caso Bergens Tidende e outros contra Noruega de 2000.[11]   Neste caso, os demandantes eram um jornal, seu redator-chefe e um jornalista da empresa jornalística.  O jornal publicou um artigo  que descrevia o trabalho do Dr. R., um cirurgião plástico, e as vantagens deste ramo da  cirurgia.  Posteriormente, o jornal foi contactado por uma série de mulheres que haviam recebido tratamento do Dr. R. e estavam bastante insatisfeitas com ele.  O jornal publicou algumas das denúncias recebidas juntamente com fotografias que mostravam as desfigurações.  Vários artigos foram publicados em números posteriores do jornal.  Como parte da  discussão, o jornal publicou uma entrevista com um cirurgião plástico de um hospital que declarou que existem pequenas márgens entre o êxito e o fracasso na  cirurgia plástica.  Adicionalmente, foi publicada uma entrevista com o Dr. R., que negou-se a formular comentários sobre casos particulares, declarando que estava obrigado pelo dever de confidencialidade, apesar de que as mulheres afetadas haviam consentido em liberá-lo desta obrigação.  Em novos artigos sobre o tema de tratamento plástico do Dr. R, foram publicadas declarações de pacientes satisfeitos que apresentavam suas opiniões.  Depois da publicação dos  artigos, o Dr. R. recebeu menos pacientes e teve que fechar seu consultório em abril de 1989.  O Dr. R. interpôs uma ação por difamação contra os demandantes.  A Corte Suprema decidiu a favor do Dr. R. e lhe outorgou uma indenização por danos e custas. 

 57. A Corte Européia destacou os princípios segundo os quais o Estado deve tolerar as idéias que perturbam ou ofendem. A Corte também ressaltou o papel essencial desempenhado pela imprensa numa sociedade democrática, assinalando que “a margem nacional de apreciação está circunscrita pelos  interesses de uma sociedade democrática em  permitir que a imprensa exerça seu papel vital de “custódia pública” divulgando informação sobre assuntos  de grave preocupação pública.  A Corte afirmou  que “quando as autoridades nacionais adotam medidas que podem desincentivar a imprensa na  divulgação de informação de legítimo interesse público, é necessário um cuidadoso escrutínio da  proporcionalidade das medidas por parte da  Corte”.  Adcionalmetne, a Corte entendeu que o exercício da  liberdade de expressão implica em deveres e responsabilidades. No caso dos jornalistas, esta responsabilidade exige que eles atuem de boa-fé na apresentação de informação precisa e confiável conforme a ética jornalística.

58. A Corte considerou que os relatos pessoais de várias mulheres com cirurgia plástica formulavam questões importantes de saúde humana e, portanto, eram matérias importantes de interesse público. A Corte rejeitou o argumento do governo de que as queixas dos  pacientes relacionadas à atenção dada por um cirurgião eram assuntos privados em que o público não tinha interesse.  Pelo contrário, a Corte entendeu que os artigos foram publicados como parte de um debate geral sobre assuntos relacionados a cirurgía plástica, em particular porque os depoimentos  das mulheres foram publicados em resposta ao anúncio do Dr. R. que apareceu antes da  publicação dos depoimentos.

59. A Corte não aceitou o argumento do governo de que os artigos equivaliam a acusações de negligência em sua prática contra o Dr. R.  A Corte argumentou que, se o público considerasse que os artigos sugeriam que o Dr. R. praticava a cirurgia de forma negligente, então seu dever era determinar como o público interpretaria os artigos.  Pelo contrário, a Corte declarou que seu dever era  considerar se as medidas impostas pelo tribunal nacional eram proporcionais ao objetivo legítimo perseguido.  A Corte observou que os relatos das mulheres  eram corretos e haviam sido vertidos com precisão pelo jornal.  Embora as mulheres utilizaram uma linguagem dura, a Corte não concluiu que as declarações tinham sido excessivas ou enganosas. 

60. A Corte rejeitou a posição do governo de que os artigos não possuiam equilíbrio adequado.  De acordo com a Corte, a publicação baseada em entrevistas é uma das maneiras mais importantes que a imprensa pode desempenhar seu papel de “custódia pública”.  Portanto, observou que não é função da  Corte nem dos  tribunais nacionais substituir as opiniões da imprensa com suas opiniões acerca de quais técnicas de jornalismo são adequadas.  A Corte também observou que o jornal havia publicado artigos defendendo o Dr. R. depois de que foram publicados os relatos das mulheres queixosas.

61. Por último, a Corte confirmou que a publicação dos  artigos tiveram graves consequências para a clínica do Dr. R.  Contudo, com base nas críticas relacionadas ao seu tratamento pós-operatório, era inevitável que ocorreria algun dano para sua reputação.  A Corte concluiu que o interesse do Dr. R de proteger sua reputação profissional não era suficiente para contrariar o interesse público na  liberdade de imprensa para divulgar informação a respeito de assuntos importantes de interesse público.  Na opinião da Corte, a justificação do Estado para a interferência  era pertinente mas não suficiente para demonstrar que esta interferência  teria sido necessária numa sociedade democrática.  A Corte considerou também que as restrições não eram proporcionais ao legítimo objetivo que perseguiam as autoridades nacionais.

viii)       Constantinescu contra România

62. A Corte voltou a abordar a questão da  difamação no  caso de Constantinescu contra România de 2000.[12]  Neste caso, a Corte concluiu que não houve uma violação ao direito à liberdade de expressão porque a interferência  denunciada havia sido proporcional ao objetivo legítimo de proteger a reputação de terceiros.  O demandante, Secretário Geral do Sindicato de Professores de Primeira e Segunda Séries do segundo distrito de Bucarest, expressou sua insatisfação pelo ritmo lento da  investigação penal iniciada contra dois ex-administradores e um antigo secretário do Sindicato por roubo, apropriação indevida e fraude  Ele referiu-se às indiciados como culpados de fraude num artigo  que foi publicado depois de que o promotor decidiu suspender a investigação penal.  O demandante foi condenado em processo penal por um tribunal do condado de Bucarest, foi multado e ordenado a pagar uma indenização por danos aos antigos empregados do sindicato.  Seis anos mais tarde, a Suprema Corte de Justiça revogou a decisão, mas o demandante não recebeu indenização por danos nem lhe foi devolvida a multa.  Apesar de o demandante ter sido absolvido, poderia ser considerado vítima de acordo com a Corte Européia porque não lhe foram outorgados danos pela  condenação  errônea e não foi devolvido o pagamento da multa que efetuou nem a indenização que havia pago por danos.

63. Ao considerar se a interferência  no  caso de Cosntantinescu era necessária numa sociedade democrática, a Corte Européia ressaltou que examinaria as decisiões que os tribunais  nacionais adotaram conforme sua faculdade de exame. A Corte observou que os comentários do demandante formavam parte de um debate relacionado a assuntos importantes de interesse público –a independência dos  sindicatos e o funcionamento da  justiça. Entretanto, a Corte reconheceu que existem limites à liberdade de expressão.  No  caso em questão, a Corte considerou que o demandante tinha liberdade para participar de um debate público criticando os indivíduos do artigo. A Corte, porém, entendeu que o demandante não deveria ter usado termos como fraude já  que os indivíduos incluídos no artigo não haviam sido condenados pela justiça. Portanto, a Corte concluiu que a interferência era proporcional ao legítimo objetivo perseguido. Adicionalmente a Corte concluiu que a pena imposta não foi desproporcionada e, em última instância, entendeu que dado que as autoridades não haviam excedido na apreciação, não houve violação do artigo 10.

ix)         Feldek contra a República Eslovaca

64. No caso de Feldek contra a República Eslovaca de 2001,[13] a Corte decidiu por unanimidade que houve uma violação do artigo 10 da Convenção Européia. O demandante publicou um poema num jornal comentando a mudança de dirigentes no país. O poema continha uma passagem que mencionava “um membro da SS e um membro da [ex-polícia secreta tchecoslovaca] abraçando-se”. Dois jornalistas comentaram o poema dizendo que a referência ao “ex-membro da SS” aplicava-se ao Ministro de Cultura e Informação nomeado, a respeito do qual era sabido que durante a Segunda Guerra Mundial havia se alistado para um curso militar ministrado pelos alemães. O Ministro publicou uma réplica e o demandante respondeu declarando que havia simplesmente manifestado sua preocupação pela participação no novo governo democrático de alguém com um “pasado fascista”. O Ministro, então iniciou um processo por difamação contra o demandante. O demandante ganhou a ação em primeira instância mas na apelação suas declarações foram consideradas difamatórias e o tribunal permitiu que o Ministro publicasse o acórdão em cinco jornais de sua eleição.

65. A Corte considerou que a declaração do demandante foi formulada e publicada como parte de um debate político acerca de questões gerais de interesse público relacionadas à história do país, que poderia ter repercussões em sua evolução democrática futura. Além disso, tratava-se de um ministro de governo, uma figura pública para a qual os limites da crítica aceitável são mais amplos que no caso de um particular. A Corte observou que a declaração do demandante continha uma linguagem dura, mas não carecia de antecedentes de fato, e que não havia nenhuma sugestão que indicasse que não havia sido formulada de boa-fé, com o fim legítimo de proteger a evolução democrática do Estado recentemente estabelecido, do qual era cidadão. A Corte observou também que a declaração do demandante constituia um juízo de valor, cuja autenticidade não é suscetível de prova. A Corte não considerou que o mero uso pelo demandante da frase “passado fascista” constituisse uma declaração absoluta de fato; o termo era amplo, capaz de engoblar distintos conceitos quanto a seu conteúdo e significado; um deles poderia ser a respeito de uma pessoa que participou de uma organização fascista, como membro, e não implicava atividades específicas de propaganda das idéiais fascistas.

 66. O tribunal nacional baseou sua condenação, entre outras coisas, no fato que o demandante carecia de fundamento de fato para o juízo de valor que havia efetuado.  A Corte Européia entendeu que esta era uma interpretação errônea da garantia da liberdade de expressão:

 A Corte não pode aceitar, como questão de princípio, a idéia de que um juízo de valor somente pode ser considerado tal se estiver acompanhado de fatos que o fundamentem. A necessidade de um vínculo entre um  juízo de valor e fatos que o respaldem pode variar de um caso para outro de acordo com as circunstâncias específicas.[14]

 67. A Corte concordou que o juízo de valor efetuado pelo demandante havia baseado-se em informação que já era conhecida da opinião pública, porque a vida política do Ministro era conhecida e porque a informação sobre seu passado havia constado de publicações de imprensa que antecederam a declaração do demandante além de um livro publicado pelo próprio Ministro.  Os tribunais nacionais não estabeleceram uma necessidade social urgente para proteger os direitos pessoais do Ministro, uma figura pública, acima do direito à liberdade de expressão do demandante e o interesse público de fomentar esta liberdade quando se trata de assuntos de interesse público.  Por todas estas razões, a Corte considerou que os fatos revelavam uma violação do direito à liberdade de expressão do demandante. 

x)         Dichand e outros contra Áustria

68. No caso de Dichand e outros contra Áustria de 2002,[15]a Corte concluiu que houve uma violação do direito à liberdade de expressão.  Em junho de 1993, o jornal dos  demandantes publicou um artigo a respeito do Sr. Graff escrito com um pseudônimo mas que pertencia ao redator-chefe.  Além de seu cargo de presidente da Comissão Legislativa da época, o Sr. Graff era um advogado particular que representava um dos principais competidores dos  demandantes. Na sua qualidade de parlamentar, o Sr. Graff propôs uma legislação que incrementava significativamente a responsabilidade fiscal por descumprimento de liminares, conforme a qual as multas multiplicariam – pelo número de ordens executórias emitidas quando uma das partes não cumprisse com uma liminar. No artigo publicado no jornal dos demandantes se alegava que o Sr. Graff havia proposto esta lei para beneficiar a seu cliente particular e se criticava o fato de que o Sr. Graff não tivesse abandonado a prática da advocacia particular durante seu mandato no governo. O Sr. Graff pediu e obteve uma liminar para que os demandantes não publicassem declarações que alegassem conflitos de interesse relacionados às condições do Sr. Graff como advogado particular e parlamentar. O tribunal austríaco interpretou as declarações a respeito do Sr. Graff como insultos e como declarações de fato cuja verdade deve ser provada pelo demandante, e não como juízo de valor. O tribunal austríaco considerou também que o artigo continha uma afirmação de fato incorreta de que o Sr. Graff era membro do governo. O demandante apelou da liminar perante uma instância superior, mas não obteve resultado nas duas apelações. 

69. A Corte Européia determinou que a liminar em relação as declarações sobre o Sr. Graff constituía uma interferência no direito à liberdade de expressão. A Corte concluiu que a interferência estava “prevista em lei”, apesar de o demandante argumentar o contrário, posto que existia uma jurisprudência considerável sobre a matéria. A Corte também entendeu que a interferência visava um fim legítimo, a saber, a proteção da reputação ou do direito de terceiros. A Corte determinou que a Áustria tinha superado a margem de apreciação facultada aos Estados membros pela Convenção Européia de Direitos Humanos e que a liminar não era proporcional ao fim perseguido.

70. Tendo em vista o contexto político que rodeou a publicação, a Corte concluiu que a publicação do demandante constituía um juízo de valor e não uma declaração de fato.  Consequentemente, o demandante não tinham que provar a verdade destas declarações para que fossem publicadas.

71. A Corte discordou da argumentação dos tribunais austríacos de que o artigo deturpava os fatos ao afirmar que o Sr. Graff era membro do governo. A Corte argumentou que essa interpretação não era justificada dado o seu contexto. Com efeito, assinalou que a função exata do Sr. Graff havia sido descrita expressamente no artigo.

72. Em relação ao conflito de interesses alegado no artigo, a Corte entendeu que a prova aplicada pelos tribunais austríacos de que as denúncias eram declarações de fato que os demandantes deviam provar, “impôs uma carga excessiva ao demandante”. A Corte considerou que estas denúncias eram juízos de valor para os quais existia uma base fática suficiente. A Corte observou, quanto ao conflito de interesses, que:

O Sr. Graff  era um político de importância e o fato de que suas atividades particulares e políticas se misturam pode levar a um debate público, inclusive quando, de maneira estrita, não havia nenhum problema de incompatibilidade no  cargo segundo a legislação nacional.[16]

 A.        Jurisprudência interna dos  Estados membros

1.          Introdução

73. A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão visa fomentar os estudos jurisprudênciais como maneira de contribuir ao fluxo de informação entre os Estados membros relativo às normas internacionais que regem o direito à liberdade de expressão, na esperança de que possa levar a uma compreensão mais profunda e garantir o direito à liberdade de expressão nas Américas. Conforme estas iniciativas, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão incluiu no Relatório Anual de 2003 um capítulo que descreve a jurisprudência do sistema europeu e apresenta decisões dos tribunais locais dos Estados membros que, em essência, defendam as normas de liberdade de expressão.[17]

74. Nesta seção, o relatório faz uma referência à jurisprudência interna dos  Estados e inclui certas decisões dos tribunais locais que foram adotadas em 2003 e que refletem a importância de respeitar a liberdade de expressão protegida na Convenção Americana.

75. Nesta seção constam algumas decisões judiciais que consideraram expressa ou implicitamente, as normas internacionais que protegem a liberdade de expressão.  Em outras palavras, esta seção não é uma crítica de decisões judiciais, mas uma tentativa de demonstrar que em muitos casos estas normas são efetivamente levadas em conta. O Relator espera que esta atitude prevaleça entre os juízes da região.

76. Por último, fica claro que nem todas as opiniões das decisões citadas são compartidas pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, mas que a Relatoria concorda com os elementos fundamentais das decisões. Como segundo aspecto, não restam dúvidas de que existem muitos outros casos que poderiam ter sido incluídos no presente relatório. A seleção foi algo arbitrária, tanto por razões de espaço como por falta de informação suficiente. A Relatoria insta os Estados a encaminhar mais decisões judiciais que sejam aplicáveis ao sistema interamericano de proteção da liberdade de expressão para que esta seção possa ser ampliada em relatórios anuais futuros.

77. Na organização desta seção foi levado em conta, como corresponde, as normas derivadas da interpretação do artigo 13 da Convenção, que dispõe:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência, ou qualquer outra ação ilegal similar contra qualquer pessoa ou grupo de pessoas, por nenhum  motivo de raça, cor, religião, idioma ou origem nacional.

78. As normas referidas aqui continuaram evolucionando graças à jurisprudência da Comissão e da Corte. Muitas destas normas foram incluídas na Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão.[18] Por estas razões, as categorias descritas a seguir relacionam-se com vários princípios dessa Declaração. No presente relatório, as categorias selecionadas são as seguintes: a) a concessão de frequências de rádio e televisão de acordo com critérios democráticos que ofereçam igual oportunidade de acesso a todas as pessoas, conforme o Princípio 12; b) o direito de acesso à informação pública, conforme o Princípio 4; c) o princípio e a distinção entre as figuras públicas e os particulares nos casos de difamação criminal, conforme o Princípio 10, e d) a prescrição da censura prévia conforme o Princípio 5.

79. O presente relatório inclui a jurisprudência da Argentina, Uruguai, Costa Rica e Chile. Em cada uma das categorías, cita-se a Declaração ou o Princípio correspondente, seguido de um breve resumo dos fatos do caso e extratos da decisão da justiça interna.

a.       Critérios democráticos para a concesão de frequências de rádio e televisão

80. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Princípio 12. “(...) As designações de rádio e televisão devem considerar critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades para todos os indivíduos no acesso aos mesmos.”

 81. Caso decidido por: Corte Suprema de Argentina, Decisão de 1º de setembro de 2003. Caso A. 215. XXXVII – “Associação Mutual Carlos Mujica contra  o Estado Nacional (Poder Executivo Nacional – COMFER) s/ amparo.”

 82. Fatos do caso. A Associação Mutual Carlos Mujica, que explora uma estação de rádio de frequência modulada, apelou do recurso de amparo contra o Estado impugnando a validez constitucional das seguintes leis: artigo 45 da Lei No. 22.285 e seu Decreto regulamentar 286/81; Decretos Executivos Nos. 310/98 e 2/99; Resoluções 16/99 do Comitê Federal de Rádiodifusão (COMFER), e a Resolução No. 2344/98 da Secretaria de Comunicações da Nação. De acordo com estas disposições, somente poderão solicitar uma concessão legal para incorporar a uma estação de rádio a frequência modulada as “pessoas físicas ou empresas comerciais legalmente constituídas”, excluindo portanto as organizações civis, cooperativas, e associações mutuárias. O apelante alegou que o artigo 45 da Lei de Rádiodifusão interfere com o direito de um grande setor da  comunidade composto por associações que não estão reguladas pela legislação que outorga os serviços de comunicações, violando seu direito à liberdade de expressão garantido na Constituição argentina e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.  O Tribunal de Apelações da Província de Córdoba confirmou a decisão de uma instância inferior ao declarar que a legislação em questão violava a Constituição argentina.  O Comitê Federal de Rádiodifusão apelou desta decisão perante a Suprema Corte da Argentina.

83. Decisão (parágrafos pertinentes)

 Segundo a legislação em matéria de rádiodifusão, para poder candidatar-se a ser prestadora legalmente autorizada de uma estação de rádiodifusão sonora com modulação de frequência, é necessário ser pessoa física ou sociedade comercial, legalmente constituída, o que exclui as sociedades civis, cooperativas e associações mutuárias sem fins de lucro.

 Esta regulamentação não pode ser arbitrária e excluir de um modo absoluto, sem base num critério objetivo e razoável, a determinadas pessoas jurídicas da possibilidade de conseguir uma licença de rádiodifusão por não terem constituído uma sociedade comercial, pois isto importa, definitivametne, a uma limitação inaceitável do direito de expressar-se livremente e de associar-se ou de não fazê-lo.

 A participação de uma associação mutuária num concurso público para conseguir uma licença de rádiodifusão, caso seja selecionada, facilita o pluralismo de opiniões que caracteriza as sociedades democráticas, e importa num verdadeiro contrapeso ou poder equilibrador dos grupos econômicos. Assim a limitação estabelecida pelas normas impugnadas não têm fundamento algum e importa numa clara violação ao direito de associar-se com fins úteis, pois impõe as regras de qual deve ser o espírito que daqueles que compõem esta organização coletiva, sem que se baseie num motivo suficiente que justifique que certas entidades de bem  público não possam desenvolver uma atividade que é cultural por essência.

Não se constata a existência de um interesse superior que proiba que a autora intervenha num concurso público para normalizar sua situação legal e caso seja selecionada, poder exercer seu direito à livre expressão. O parágrafo primeiro do Art. 45 da  lei 22285 e as normas correlatas, enquanto impedem que a demandante participe do concursos para a obtenção de uma licença por não estar constituída  numa sociedade comercial, são violadoras dos Arts. 14, 16, 28 e 75, inc. 23, da  Constituição Nacional e do Art. 13 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

            b.         O direito de acesso à informação

 84. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Princípio 4. “O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental dos individuos. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício deste direito. Este princípio somente admite limitações excepcionais que devem estar estabelecidas previamente pela lei caso exista um perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas.”

85. Caso decidido pela: Sala Constitucional da Corte Suprema de Costa Rica. Decisão de 2 de maio de 2003.  Expediente: 02-009167-0007-CO, Res. 2003-03489.

86. Fatos do caso.  Em 8 de outubro de 2002, o Representante José Humberto Arce Salas apresentou um pedido de informação à Diretoria do Banco de Costa Rica em relação a irregularidades no financiamento privado dos partidos políticos, refletidas na  aceitação de doações volumosas de empresas e empresários estrangeiros que não foram declaradas ao Supremo Tribunal Eleitoral. A informação solicitada pelo Deputado incluía o seguinte: a) se os partidos “Unidade Social Cristã”, “Liberação Nacional”, ou algum outro partido que tenha participado das últimas eleições nacionais, teve contas correntes em seu nome no Banco durante o ano transcorrido, e b) se as empresas Plutón S.A., Faltros SR.S S.A., Gramínea Plateada S.A. e Bayano S.A. tiveram contas correntes no Banco durante o ano transcorrido, dada sua relação com as tesourarias dos partidos políticos. A Junta Diretiva do Banco negou ao Deputado Arce Salas o acesso à informação solicitada, argumentando que a mesma estava protegida pelo sigilo bancário e o direito à privacidade.  A Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de Costa Rica declarou por unanimidade a admissibilidade do recurso de amparo judicial interposto pelo Deputado José Humberto Arce Salas contra o Banco de Costa Rica.

87. Decisão (parágrafos pertinentes)

 No que se refere à solicitação de acesso à informação formulada pelo recorrente, é preciso indicar que apresenta duas vertentes que requerem uma solução diferenciada para evitar equívocos, a saber: a) A solicitação de informação acerca das contas correntes que possuem, em especial, os Partidos Unidade Social Cristã e Liberação Nacional e, em geral, qualquer partido que tenha participado das últimas eleições nacionais e b) a solicitação acerca das contas correntes que possuem várias sociedades anônimas supostamente vinculadas com as tesourarias de campanha dos partidos referidos. No que se refere a letra A é importante indicar que em vista da sujeição do patrimônio dos partidos políticos -independentemente de sua origem privada ou pública- aos princípios de publicidade e transparência por expressa disposição constitucional (artigo 96, parágrafo 3°) a quantidade de contas correntes, seus movimentos e os balanços que os partidos políticos possuem nos Bancos Comerciais do Estado, bancos privados e qualquer entidade financeira não bancária são de interesse público e, por conseguinte, podem ser acessados por qualquer pessoa.

No que tange a letra B este Tribunal estima que o número de contas correntes que possuem uma pessoa jurídica ou organização coletiva de Direito Privado -Sociedade Anônima, Sociedade de Responsabilidade Limitada, Fundação, Associação, etc-, seus movimentos e seus balanços, em tese, estão cobertas pelo direito à intimidade, posto que, nesta hipótese não opera a limitação constitucional expressa estabelecida para as contribuições dos partidos políticos. Além disso, o instituto legislativo do sigilo bancário contemplado no artigo 615 do Código de Comércio rege para o contrato de conta corrente. A regra anterior tem como exceção a demonstração veraz e idónea que um partido político tenha transferido a uma destas pessoas jurídicas parte de seus aportes privados, posto que assim a informação deixaria de ser privada –própria de uma relação meramente contratual- e se tornaria de interesse público.

(…) deve-se declarar procedente o recurso de amparo, somente quanto à solicitação de informação acerca das contas correntes que tenham, em seu nome no banco recorrido, os Partidos Unidade Social Cristã, Liberação Nacional e qualquer outro que participou das últimas eleições nacionais, bem como das empresas Gramínea Plateada e Bayamo ao terem demonstrado que em nome destas empresas foram abertas contas correntes para organizar o fluxo de rendas e gastos da campanha eleitoral do Partido Unidade Social Cristã.

           c.         Difamação criminal e funcionários públicos

88. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Princípio 10. As leis de privacidade não devem inibir nem restringir a investigação e a difusão de informação de interesse público. A proteção à reputação deve ser garantida somente através de sanções civis, nos casos em que a pessoa ofendida seja um funcionário público ou uma pessoa pública ou particular que se tenha envolvido voluntariamente em assuntos de interesse público. Além disso, nesses casos, deve-se provar que, na divulgação de notícias, o comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava plenamente consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com manifesta negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas.

89. Caso decidido pelo:  Tribunal de Primeira Instância de Montevidéu, Sentença de 22 de abril de 2003.

90. Fatos do caso.  Em 20 de fevereiro  de 2003, foi admitida a acusação apresentada pelo Sr. Mario César Alvez, funcionário público da Prefeitura da cidade de Montevidéu, contra o Sr. Sergio Israel Dublinsky, jornalista da  publicação Brecha.  O Sr. Dublinsky foi acusado de ter cometido os delitos de difamação e injúria.[19]  A acusação foi motivada pela publicação, por Dublinsky, de uma série de artigos que descreviam a participação do recorrente em atos de corrupção, tais como a aceitação de subornos e a concessão de benefícios estatais para seus amigos pessoais. Depois das audiências preliminares, a questão passou ao Tribunal de Primeira Instância de Montevidéu.

91. Decisão (parágrafos pertinentes)

  (...) no nosso país, a liberdade de expressão, seguindo a tendência inaugurada no ano 1830, está  atualmente consagrada no art. 29 da Constituição Nacional, que dispõe que “é inteiramente livre, em toda matéria, a comunicação de pensamentos por palavras, artigos privados ou publicados na imprensa, ou por qualquer outra forma de divulgação, sem necessidade de prévia censura; ficando responsável pelos abusos cometidos o autor e, se for o caso, o impressor ou emissor, de acordo com a lei.

 O texto em questão, está em perfeita consonância e harmonia com as normas internacionais de direitos humanos que reconhecem o direito à liberdade de expressão. Desta forma está consagrado no art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 19), na Convenção Européia de Direitos Humanos (art. 10), na Carta Africana de Direitos Humanos (art. 9), na Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 19) e na Declaração Americana de Direitos Humanos (art. IV).

 (…)no presente caso, dado que se questionam os juízos de valor efetuados nos artigos jornalísticos com ampla difusão pública, supõe o enfrentamento de direitos fundamentais: por um lado o direito à liberdade de expressão do pensamento -em sua forma de liberdade de imprensa ou de informação- do denunciado e pelo outro o direito de honra do denunciante; ambos amparados pela  legislação nacional e internacional referida.

 Para isto nos permitiremos mencionar novamente o que assinala a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica) –que, é bom recordá-lo, é direito vigente no nosso país, a partir de sua aprovação pela Lei No. 15.737 de 8 de março de 1985- a que, expressamente aborda a questão formulada em seu art. 13 inciso 2 que: “... o exercício do direito previsto no  inciso precedente (a liberdade de pensamento e expressão) não pode estar sujeito a prévia censura mas sim a responsabilidades posteriores, as que devem estar expressamente fixadas pela  lei e serem necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou a reputação dos  demais (...).

 A Convenção também, em seu art. 11, reconhece a proteção da honra e da dignidade, quando assinala que “... ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, nem a de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ataques ilegais a sua honra ou reputação...” e “... toda pessoa tem direito à proteção da  lei contra essas ingerências ou ataques...”.-

 A Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem  também consagra em seu art. V  que “toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos a sua honra, a sua reputação e a sua vida privada e familiar.”

 No que se refere à direta relação com os conflitos originados entre o direito à honra e o direito à liberdade de expressão, a Comissão, em seu relatório No. 11/96 relativo ao caso No. 11.230, entendeu que o princípio do direito à honra não tem uma hierarquia superior ao princípío do direito à liberdade de expressão. Neste sentido recordou que o art. 29 estabelece que “nenhuma disposição da  presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a algum dos  Estados partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida que a prevista nela; que o art. 32.2 dispõe que “os direitos de cada pessoa estão limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum numa sociedade democrática.”

 No Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos do ano 1994, a Comissão assinalou que “a Corte Interamericana de Direitos Humanos (“a Corte”) declarou que, dado que a liberdade de expressão e pensamento desempenha uma função crucial e central no debate público, a Convenção Americana outorga um “valor sumamente elevado” a este direito e reduz ao mínimo toda restrição a ele. Como mencionado pela Corte, é no interesse da “ordem pública democrática” tal como está concebida pela Convenção Americana que se “respeite escrupulosamente” o direito de cada ser humano de expressar-se livremente.

 Das decisões e opiniões mencionadas, pode-se extrair várias conclusões cujo exame o intérprete deverá ter sempre presente se é que quer chegar a uma justa solução sobre a questão delicada posta em suas mãos. 

 Estas são:

 Em primeiro lugar, que o princípio geral a ser considerado –que não é absoluto, naturalmente- é que tanto na legislação nacional como internacional, o direito à liberdade de expressão, dado o crucial e central papel que desempenha no debate público e sua indissolúvel vinculação com as sociedades e instituições democráticas, quando é exercido de forma legítima, possui um “valor sumamente elevado” que o coloca num plano superior ao dos demais direitos civis.

 Em segundo lugar que, dada sua situação de preeminência, toda restrição ao mesmo deve, necessariamente, ser reduzida ao mínimo; e qualquer interferência deverá sempre estar vinculada com as legítimas necessidades de uma sociedade democrática.-

 Em terceiro lugar, que a proteção que oferece este direito não somente deve extender-se às idéias favoráveis, mas também e sobretudo, àquelas idéias que podem ser ofensivas, perturbadoras, exageradas, provocativas ou chocantes pois, estas são as exigências do pluralismo e a abertura mental sem as quais não é possível a existência de uma sociedade democrática.

 Em quarto lugar, este direito não ampare nem os agravos, nem a injúria, nem a calúnia, nem a difamação; e tampouco protege a falsidade, a mentira ou a inexatidão quando é fruto da  total e absoluta despreocupação em verificar a realidade da  informação. Mas ampara a imprensa quando a informação refere-se a questões públicas ou funcionários públicos, ainda que a notícia tenha expressões falsas ou inexatas, sempre e quando seu autor acredita que elas são verdadeiras e seu propósito tenha sido o de ilustrar a opinião pública do tema tratado, de boa-fé e sem malícia.

 Em quinto lugar, que a posição de preferência que possui a liberdade de expressão sobre os outros direitos será mantida, sempre e quando: a) a informação que dela emane resulte “'útil” a uma sociedade democrática; e b) existam bases objetivas que induzam ao informador a considerar que esta informação é certa, ainda quando posteriormente se demonstre o fato como objetivamente falso.

 Em sexto e último lugar -o que resume todos os parágrafos antes mencionados- que em caso de que o jornalista tenha exercido de forma legítima este direito, não é possível concluir juridicamente que o direito à honra teria sido lesionado de nenhuma forma.

 Em suma, e tendo em vista o exposto anteriormente, sendo que o direito à honra do denunciante não tenha sido afetado porque o jornalista, Sr. Sergio Israel Dublinsky, na nossa opinião, exerceu de forma legítima a liberdade de informar, cabe concluir, conforme o estabelecido pelo art. 10 da Constituição da República, que sua conduta foi isenta da autoridade deste magistrado.

            d.         Proibição da censura prévia

92. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Princípio 5: A censura prévia, a interferência ou pressão direta ou indireta sobre qualquer expressão, opinião ou informação por meio de qualquer meio de comunicação oral, escrita, artística, visual ou eletrônica, deve ser proibida por lei. As restrições à livre circulação de idéias e opiniões, assim como a imposição arbitrária de informação e a criação de obstáculos ao livre fluxo de informação, violam o direito à liberdade de expressão.

93. Caso decidido pela:  Corte de Apelações de Santiago do Chile. Caso de 16 de abril de 2003.  Apelação No. 5681/2002. Res. 47579.

 94. Fatos do caso. Os denunciantes, descendentes diretos de Arturo Prat Chacón, procuraram na instância de apelação de proteção constitucional, obter uma medida cautelar para evitar a continuação da exibição do que consideravam uma desonra para Arturo Prat Chacón, oficial da marinha e advogado, e importante figura histórica do Chile. Em 16 de outubro, o Mercurio de Santiago publicou a notícia que na sala “Sergio Aguirre” do Departamento de Arte da Universidade do Chile, haveria uma exposição que iniciava em 17 de outubro sobre o trabalho de “Prat”, exposta por Manuela Infante. A publicação afirmava que naquela data a exibição não estava confirmada devido ao caráter difamatório do retrato de Arturo Prat Chacón. Os demandantes alegavam que a exibição era ofensiva e perversa, e que danificava a figura de Prat Chacón, e que o escândalo ocorrido como consequência da exibição levou à renúncia de Nivia Palma, Coordenadora Nacional de FONDART, organização dependente do Ministério de Educação, que respaldava financeiramente a exibição com fundos do Estado.  O Tribunal de Apelações de Santiago do Chile rejeitou a apelação argumentando que a admissão teria sido equivalente a uma censura prévia, proibida pelo artigo 13 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos. A decisão do Tribunal de Apelações foi posteriormente mantida pela Corte Suprema de Santiago do Chile (ROL N° 1961, 16 de julho de 2003)

95. Decisão (parágrafos pertinentes)

Que os recorrentes manifestam, conforme explicado nos fundamentos 1º e 5º desta decisão, bem como mediante a representação da peça citada, que se poderia violar o direito de respeito e proteção à honra da pessoa e da família do don Arturo Prat Chacón, de todo chileno como, também, dos integrantes do Instituto Histórico que leva seu nome. O preceito que consagra o direito que consideram afetado está contido, como mencionado anteriormente, no artigo 19 nº 4 da Carta Fundamental que estabelece: a Constituição assegura a todas as pessoas: o respeito e proteção à vida privada e pública e a honra da pessoa e de sua família (...).

(…) a Constituição Política em seu artigo 19, nº 12, inciso primeiro, estabelece que esta assegura a todas as pessoas: a liberdade de emitir opiniões e de informar sem censura prévia, de qualquer forma e por qualquer meio, sem prejuízo de responder aos delitos e abusos cometidos no exercício de estas liberdades,... Este direito fundamental está, por sua parte, contido no  artigo 13 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José que estabelece: 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades posteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência, ou qualquer outra ação ilegal similar contra qualquer pessoa ou grupo de pessoas, por nenhum  motivo de raça, cor, religião, idioma ou origem nacional.

 Que, consequentemente, caso se estime que, mediante a representação da peça teatral comentada, se possa incorrer na situação que contempla o número 4 do artigo 13 da citada Convenção, caberia ao órgão administrativo correspondente, quando necessário, proceder às medidas corretivas procedentes. "

 Que, entre as formas de exteriorizarção da liberdade de pensamento e de expressão, o nº 1 do artigo 13 do Pacto de San José dispõe, de forma explícita, que este direito pode ser manifestado oralmente, por escrito ou por forma escrita ou artística.

 Que, deste modo, ao ter escrito a peça teatral e tê-la difundido mediante sua representação, os autores e outras pessoas que estiveram comprometidos nesta produção e divulgação fizeram uso de sua liberdade de expressão, a qual não pode ser censurada por nenhum órgão, sem prejuízo das responsabilidades que pudessem surgir com o cometimento de possíveis delitos ou danos que pudessem ser ocasionados mediante sua criação e/ou representação ou das medidas que pudesse ser adotadas, caso se incorresse na situação contemplada no número 4 do artigo 13 da Convenção mencionada, conforme explicado anteriormente. Se fossem impedidas posteriores exibições da peça que motivou a interposição de recurso, ao acolhê-lo se cometeria uma forma de censura prévia, o que está vedado a este tribunal, portanto, esta Corte considera que cabe indeferir o recurso (…).



[1] Corte EDH, Caso de Lingens contra Austria, Sentença de 8 de julho de 1986, Demanda Nº 00009815/82.

[2] Corte EDH, Caso de Lingens contra Austria, Sentença de 8 de julho de 1986, Demanda Nº 00009815/82.

[3] Ibid, par. 46.

[4] Corte EDH, Caso de Barfod contra Dinamarca, Sentença de 22 de fevereiro de 1989, Demanda Nº 00011508/85.

[5] Corte EDH, Caso de Castells contra Espanha, Sentença de 23 de abril de 1992, Demanda Nº 00011798/85.

[6]Os juízes De Meyer e Pekkanen determinaram que o Estado havia  violado o artigo 10.  Contudo, ambos consideraram que a importância dada pela Corte a respeito da inexistência da  prova da  verdade era improcedente.  De acordo com estes juízes, a autenticidade da  opinião do demandante era irrelevante.  Pelo contrário, a determinação pertinente deveria ter-se limitado à hipótese de as declarações do demandante estarem protegidas dado o fato de que as mesmas representavam sua opinião sobre um assunto que era matéria de debate público.  Segundo os juízes, o demandante apoiou-se em fatos verdadeiros –que várias pessoas haviam sido assassinadas e que aquelas que perpetraram estes delitos não haviam sido condenadas.  Na opinião dos juízes, a crítica do demandante de que o governo era cúmplice destes atos deve ser tolerada numa sociedade democrática.  O juiz Carrillo Salcedo concordou e ressaltou que a liberdade de expressão não é absoluta e que os Estados podem adotar medidas, inclusive penais, para reacionar devidamente e sem  excesso a acusações difamatórias carentes de fundamento ou formuladas de má-fe.

[7]Corte EDH, Caso de De Haes e Gijaels contra Bélgica, Sentença de 24 de fevereiro de 1997, Demanda Nº 00019983/92.

[8]Caso De Haes e Gijsels contra Bélgica, supra, nota 32.

[9]Corte EDH, Caso de Bladet Tromsø e Stensaas contra Noruega, Sentença de 20 de maio de 1999, Demanda Nº 00021980/93.

[10]Corte EDH, Caso de Dalban contra România, Sentença de 28 de setembro de 1999, Demanda Nº 00028114/95.

[11]Corte EDH, Caso  Bergens Tidende e outros contra Noruega, Sentença de 2 de maio de 2000, Demanda Nº 00026132/95

[12]Corte EDH, Caso de Constantinescu contra România, Sentença de 27 de junho de 2000, Demanda Nº 00028871/95.

[13] Corte EDH, Caso de Feldek contra Eslovaquia, Sentença de 12 de julho de 2001, Demanda Nº 00029032/95.

[14] Ibid, par. 86.

[15] Corte EDH, Caso de Dichand e outros contra Áustria, Sentença de 26 de fevereiro de 2002, Demanda Nº 00029271/95.

[16] Ibid, par. 51

[17]Ver CIDH, Relatório Anual da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2002, Volume III, Relatório da Relatoria  Especial para a Liberdade de Expressão, OEA/Ser.L/V/II.117, Doc 5 rev. 1, 7 de março de 2003, Capítulo III.

[18]Ver CIDH, Relatório Anual da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2000, Volume III, Relatório da Relatororia Especial para a Liberdade de Expressão, OEA/SER.L/V/II.111, Doc 20 rev, 16 de abril de 2001, Capítulo II.

[19]A acusação referia-se a uma suposta violação dos  artigos 333 e 334 do Código Penal Uruguaio.