Discursos

MINISTRO DO ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL, EXCELENTÍSSIMO SENHOR ALOYSIO NUNES FERREIRA
INTERVENÇÃO DO MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL, EXCELENTÍSSIMO SENHORALOYSIO NUNES FERREIRA, NA VIGÉSIMA NONA REUNIÃO DE CONSULTA DOS MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA OEA

maio 31, 2017 - Washington DC


Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Chanceleres,

Chefes de Delegação,

Quando eu vejo uma placa como esta, na frente de cada um de nós, eu me lembro da situação vivida por países que nós representamos aqui, em anos dificeis. Eu me lembro de companheiros que morreram nos cárceres, morreram no exílio sem poder voltar a sua terra. Companheiros do Peru, da Nicarágua, do Haiti, da Colômbia, do Chile, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e nós, os brasileiros.

Nesses momentos difíceis, antes de que a democracia triunfasse na nossa America, nós todos, que lutávamos pela democracia em nossos países, batemos às portas de organizações internacionais. Batemos às portas da OEA, para a defesa dos direitos humanos e a denúncia dos crimes que eram cometidos contra eles.

Por isso, senhoras e senhores, a crise vivida pelo povo venezuelano impõe-nos uma reflexão. Uma reflexão sobre esse continente onde a democracia triunfou e que aprendeu, a duras penas, que democracia não é um luxo, é um bem essencial. O que podemos fazer nós, coletivamente, para ajudar os cidadãos venezuelanos a resgatar os seus direitos fundamentais para poder decidir o seu futuro livremente?

É claro que somente os venezuelanos podem resolver os seus problemas.Uma solução legítima, duradoura, virá dos próprios venezuelanos. Mas a comunidade internacional pode e deve, no momento em que a democracia triunfa, pode e deve, desde que adstrita ao princípio da não intervenção, pode e deve atuar. E é para isso que nós estamos aqui, porque nós não podemos cruzar os braços. Nós que integramos uma organização, a OEA, que tem entre os seus princípios fundadores o respeito à democracia representativa. Inação e indiferença não podem ser uma opção para nós.

Claro, autodeterminação, soberania, mas autodeterminação e soberania resultam exatamente da possibilidade de o povo falar livremente, em eleições livres, em eleições que tenham calendário fixado e que não mudem segundo a conveniência dos governantes. Onde os líderes políticos possam atuar. Não tenham, por exemplo, seus passaportes confiscados para impedi-los de saírem do país. Por esse motivo, meus amigos, é que nós precisamos agir.

Eu não estou falando apenas de direitos abstratos. Mas há pesssoas morrendo, morrendo pela repressão. Uma repressão impiedosa que vem do governo e que só faz acirrar o desespero da oposição, num círculo vicioso de repressão e resistência que leva a cada vez mais mortos.

O Brasil, meus amigos, acredita que nós podemos tomar algumas iniciativas construtivas. A primeira delas é manter de pé a Reunião de Chanceleres, para que possamos continuar discutindo e refletindo sobre a situação venezuelana, para que as questões amadureçam, para que nós possamos encontrar pontos de consenso entre nós e entre os atores principais da política venezuelana.

Podemos formar um grupo de contato que se reporte, evidentemente, periodicamente, a esta Reunião de Chanceleres, para acompanhar o desenvolvimento da situação e, eventualmente, desde que haja, claro, a concordância das partes, atuarmos como facilitadores de um diálogo absolutamente indispensável.

Temos uma preocupação muito grande com o processo constituinte em curso, proclamado e convocado pelo Presidente Mauro em contradição com a própria Constituição bolivariana. Acreditamos que esse processo só fará acirrar os antagonismos políticos, criando uma intolerável dualidade de poderes que poderá levar a Venezuela a um caos ainda maior. Por isso, nós exortamos ao governo venezuelano e às forças situacionistas que suspendam esse processo, para que haja espaço para o diálogo, um diálogo sério. Um diálogo que permita encontrar uma solução positiva.

Nós não estamos aqui para punir, para intervir, para condenar ninguém. O nosso objetivo é criar condições políticas favoráveis para que os venezuelanos possam, soberanamente, encontrar uma solução para a crise. E a OEA tem, sim, legitimidade e responsabilidade para essa atuação.

Meus amigos, há déficit de democracia na Venezuela no nosso ponto de vista. Mas há também outros déficits, porque há uma dimensão humanitária inegável na crise venezuelana. Milhares de cidadãos venezuelanos atravessam todos os dias a fronteira do meu país. Eles são todos bemvindos. Nós queremos recebê-los bem. Acabamos de aprovar, meu prezado amigo boliviano, uma lei de imigração, de minha autoria aliás, que muda radicalmente o paradigma pelo qual o Governo brasileiro encara o fenômeno da migração. Mas o problema é que esses irmãos venezuelanos têm vindo ao Brasil, não porque queiram, necessariamente, mas porque são forçados a vir para o Brasil para fugir do desabastecimento, da falta de alimentos, de medicamentos.

E, por isso, é que nós queremos que possamos obter um espaço de entendimento, para que o governo venezuelano possa receber a colaboração, a cooperação dos países irmãos para ajudá-lo a enfrentar esta crise. Nós queremos favorecer um espaço de negociação e de conciliação, para que a democracia seja restaurada e a Venezuela encontre a paz.

Esse é o objetivo do governo brasileiro e creio que é o objetivo de todos nós, que, de boa-fé, nos preocupamos com a situação gravíssima da Venezuela - que é grave, independentemente do ponto de vista político-ideológico sob o qual nós a encaremos - e que precisa da nossa colaboração, para romper impasses que hoje pesam sobre a vida desse povo irmão.

Muito obrigado.