Senhores Ministros,
Senhor Secretário-Geral da OEA,
Senhores delegados,
Caros colegas,
Agradeço ao Governo dos Estados Unidos, especialmente à Secretária de Estado Condoleezza Rice e às autoridades do estado da Flórida, pela calorosa acolhida em Fort Lauderdale.
Ao Secretário-Geral José Miguel Insulza, reitero a confiança do Brasil e os votos de êxito em sua gestão.
Quero também cumprimentar o Secretário-Geral-Adjunto, Luigi Einaudi, inclusive pelo discurso que pronunciou ontem.
Estou acompanhado de duas Ministras brasileiras: a Ministra Nilcéa Freire, encarregada de Políticas para as Mulheres, que em abril passado foi eleita Presidente da Comissão Interamericana de Mulheres. E a Ministra Matilde Ribeiro, responsável pelas Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que participará das deliberações sobre a proposta brasileira, apoiada por vários países, de uma convenção interamericana para prevenção do racismo e de todas as formas de discriminação e intolerância.
A presença dessas Ministras brasileiras reflete a prioridade que o Presidente Lula atribui às dimensões social e humana da democracia. O racismo, a discriminação e a intolerância são incompatíveis com a verdadeira democracia.
Quero, nesse particular, cumprimentar a senhora Secretária de Estado pela maneira franca com que abordou o tema, inclusive com referência à história recente de seu país. É um exemplo que deve ser seguido.
Nas últimas décadas, a democracia registrou avanços notáveis em nosso continente. Além de eleições periódicas, as legislações nacionais passaram a incluir instâncias para promover a cidadania, ouvir e proteger as minorias, defender e garantir os direitos humanos.
Na América do Sul, a integração econômica tem sido acompanhada por progresso importante no sentido da consolidação democrática. Em julho de 1998, os países membros do Mercosul, juntamente com Bolívia e Chile, assinaram o Protocolo de Ushuaia pelo qual acordaram que a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o processo de integração. Os novos membros associados - Peru, Venezuela, Colômbia e Equador – expressaram sua adesão a este importante instrumento de defesa da democracia.
A Comunidade Sul-Americana de Nações, lançada em dezembro de 2004, na Cúpula de Cusco, no Peru, assenta-se igualmente no compromisso com a democracia. A Declaração de Cusco ressalta a importância do estado de direito e da promoção da cidadania e transparência.
A adoção da Carta Democrática Interamericana, em setembro de 2001, é parte desse processo, que envolve organismos regionais, subregionais e continentais. Foi um passo importante, que resultou do consenso sobre os princípios, os parâmetros e as normas da democracia no Hemisfério. A Carta evoca princípios essenciais ao mesmo tempo em que apresenta a flexibilidade necessária para dar resposta às situações em que a ordem democrática é rompida ou ameaçada. Sua aplicação deve ser firme, mas equilibrada. Cooperação e diálogo, mais do que mecanismos intervencionistas, devem ser os conceitos-chave.
Esse instrumento deve ser lido, também, em conjunção com a Carta da OEA, onde estão os princípios basilares, os fundamentos e a razão de ser da Organização, que são a paz, a justiça, a cooperação, o desenvolvimento, a solidariedade e o respeito à soberania e a não-ingerência.
A Carta Democrática foi aplicada em relação à situação recente no Equador. Também, em abril passado, integrei, com o Chanceler da Bolívia e o Vice-Ministro peruano, missão da Comunidade Sul-Americana de Nações com o objetivo de oferecer ao Governo e às forças políticas equatorianas apoio para o restabelecimento da estabilidade política. Ilustram-se assim a necessidade e a conveniência da atuação coordenada entre as instâncias hemisféricas e as instâncias regionais ou subregionais.
Senhora Presidente,
A democracia não pode ser imposta; ela nasce do diálogo.
Alguns países da região têm experimentado dificuldades recorrentes em função, sobretudo, dos graves problemas econômicos e sociais, que ainda persistem em nosso continente. Diante de tais situações, é preciso estimular o diálogo entre os diferentes setores sociais, valorizar e fortalecer as instituições e apoiar soluções que podem e devem ser encontradas no plano nacional. A diplomacia brasileira pauta-se pelo princípio da não-ingerência em assuntos internos, consagrado em nossa Carta. O Governo do Presidente Lula tem associado a esse princípio básico uma atitude que descrevemos como de “não-indiferença”. Temos prestado nosso apoio e solidariedade ativos em situações de crise, sempre que somos solicitados e consideramos ter um papel positivo.
A democracia deve resultar também em maior inclusão e justiça social. Não se pode falar em sistema político verdadeiramente democrático se milhões de pessoas são privadas de seus benefícios e de suas promessas.
O Presidente Lula tem reiterado que, somente pela via democrática, é possível alcançar soluções para os problemas sociais. O Programa Fome Zero e a iniciativa internacional de combate à fome e à pobreza ilustram o nosso compromisso com a dimensão social da democracia.
O pleno florescimento da democracia em países mais pobres pressupõe também um ambiente internacional favorável. Na área comercial, é necessário, sobretudo, eliminar os subsídios bilionários concedidos a produtores ineficientes de países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento, inclusive os da nossa região, necessitam de regras de comércio internacional justas, que garantam acesso de seus produtos aos mercados dos países ricos e não criem constrangimentos insuperáveis à promoção de políticas industriais, tecnológicas e de desenvolvimento social.
Devemos reconhecer a existência de assimetrias entre os países do continente americano. É inegável que a integração se processa de maneira mais suave entre países de nível de desenvolvimento semelhante. É com esse espírito que o Brasil tem conduzido negociações no âmbito do Mercosul e com outros parceiros da região.
No nosso continente, há uma situação particularmente trágica. É o caso do Haiti, que continua a requerer a nossa solidariedade ativa.
Com base em experiências passadas, ficou comprovado que a situação no Haiti não se normalizará apenas com o uso da força militar. A realização de eleições nas quais participem todas as correntes políticas criará condições para uma legítima reconciliação nacional.
O Brasil e outros países da América Latina têm feito a sua parte com dedicação e espírito de sacrifício e solidariedade.
O compromisso do Brasil – e, creio, de muitas outras nações latino-americanas que para lá enviaram tropas – está baseado na expectativa de que se concretizem as promessas e o oferecimento de assistência feitos pela comunidade internacional. Sem que estas promessas de ajuda se concretizem, a frustração do povo haitiano aumentará e o próprio sentido da nossa presença naquele país ficará comprometido.
Senhora Presidente,
Referência foi feita aqui a um assento vazio em nossa organização. Nós também consideramos isso uma anomalia e também lamentamos que assim o seja. Já em 1994, o Brasil, com o apoio de outros países, propunha que se abrisse um diálogo sobre essa situação. Não queremos fazer julgamento sobre a política de qualquer outro Estado membro. Mas quero reiterar que, no nosso entender, a cooperação construtiva, mesmo quando há diferença de percepções, algumas vezes diferenças profundas, é o melhor caminho para assegurar que os objetivos da Carta sejam plenamente alcançados.
Muito obrigado.