Discursos

LUIGI R. EINAUDI, SECRETÁRIO-GERAL INTERINO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
O CONSELHO PERMANENTE, SOBRE A SITUAÇÃO DO SENHOR YVON NEPTUNE, EX-PRIMEIRO-MINISTRO DO HAITI

maio 6, 2005 - Washington, DC


No âmbito do tema “Outros assuntos”, solicito a atenção do Conselho Permanente para falar sobre o desenrolar de uma tragédia no Haiti e solicitar seu parecer e sua assistência.

A Carta Democrática Interamericana deixa muito claro, no seu artigo 3, que o apoio aos direitos humanos e às liberdades fundamentais é um elemento essencial da democracia. De fato, ela coloca a proteção dos direitos humanos no topo da lista dos elementos essenciais para a democracia citados no artigo 3. E, por certo, o Capítulo II da Carta é inteiramente dedicado aos direitos humanos.

A resolução AG/RES. 2058 (XXXIV-O/04), adotada por ocasião da nossa mais recente Assembléia Geral, faz da promoção dos direitos humanos uma das funções centrais da Missão Especial da OEA para o Fortalecimento da Democracia no Haiti.

Nos últimos meses, concentramo-nos na preparação do registro de eleitores, tal como acordado com as Nações Unidas à luz da nova situação surgida após os eventos de 29 de fevereiro de 2004, data em que o Presidente Jean-Bertrand Aristide deixou o país. Agora, porém, considero importante abordar especificamente uma questão que suscita uma ameaça fundamental ¬ não apenas moral, mas também política ¬ à evolução dos eventos no Haiti. Refiro-me ao caso do ex-Primeiro-Ministro Yvon Neptune, que chegou a ser visitado em sua cela por alguns membros deste Conselho em setembro último.

O senhor Neptune ali está desde fins de junho do ano passado, ocasião em que se apresentou ao saber de um mandado de prisão emitido em Saint Marc por um juiz de instrução no processo que o acusava de execuções sumárias e incêndios premeditados, atos supostamente cometidos em fevereiro por partidários do Fanmi Lavalas durante a violência que precedeu a partida do Presidente Aristide.

No começo deste ano, um grupo de pessoas fortemente armadas atacou a prisão em que visitamos o ex-Primeiro-Ministro Neptune, com o qual a nossa Missão Especial vinha mantendo contato. Os senhores recordarão as notícias de que aproximadamente 500 prisioneiros, entre os quais o próprio senhor Neptune, teriam escapado. Todavia, o senhor Neptune solicitou a ajuda do Embaixador do Chile e da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH) para protegê-lo até que pudesse ser devolvido à prisão.

Ao voltar à prisão, foi colocado em uma área isolada, em piores condições do que antes, onde teve que compartilhar uma cela com outros prisioneiros. O ex-Primeiro-Ministro reagiu a essa mudança de circunstâncias iniciando uma greve de fome. Sua saúde deteriorou-se e ele foi removido da prisão para uma instalação de saúde da MINUSTAH.

No passado mês de abril, ele foi levado a Saint Marc para ser interrogado por um juiz local, mas a audiência não foi realizada. As autoridades trouxeram-no de volta a Port-au-Prince, onde ficou detido em uma residência próxima ao quartel de Polícia, designada como anexo à Penitenciária Nacional. O senhor Neptune reiniciou a greve de fome e suas condições chegaram a tal ponto, que sua vida está claramente ameaçada.

No último domingo, dia 1º de maio, o Governo do Haiti, em colaboração com a MINUSTAH, decidiu que o senhor Neptune poderia deixar o país ¬ por razões médicas ¬ e, com a ajuda da MINUSTAH, do Governo da República Dominicana e, segundo creio, dos Estados Unidos, tomaram-se providências para possibilitar sua saída. O senhor Neptune recusou-se a ser retirado do país e, em vez disso, exigiu sua libertação ou a concessão de garantias de que poderia voltar livremente ao Haiti depois de receber tratamento médico no estrangeiro. O Governo ofereceu-lhe salvo-conduto, mas recusou-se a retirar as acusações que pesam contra ele.

Claramente, este caso chegou a uma situação critica. O senhor Neptune não se dispõe a aceitar do Governo qualquer isenção que não corresponda inteiramente ao que reivindica. Por sua vez, o Governo acredita que somente os tribunais do Haiti podem decidir por sua absolvição.

Como eu já disse, o caso envolve sérias implicações políticas e morais para o Governo de Transição do Haiti, para as Nações Unidas e, creio, para todos nós. Se a deterioração do estado de saúde do senhor Neptune chegar a ser irreversível, o Governo será responsabilizado por não ter sido capaz de processá-lo e por não libertá-lo ou ter-se recusado a libertá-lo, o Haiti perderá uma importante figura política do movimento político que dominou o governo anterior e a comunidade internacional parecerá displicente.

Três anos atrás, este Conselho Permanente adotou a resolução CP/RES. 806 (1303/02), que dispunha pela formação de uma comissão de inquérito para investigar um ataque ao Palácio Nacional. Em conformidade com os respectivos termos de referência, os três membros da comissão não poderiam ser cidadãos haitianos e deveriam ser selecionados com base em suas aptidões profissionais, sua discrição e sua reputação de probidade e imparcialidade, dentre candidatos propostos pelos Estados membros da OEA. Um dos membros deveria provir da Comunidade do Caribe (CARICOM).

Posteriormente, em trabalho conjunto com o Governo do Haiti, constituímos um conselho de tripartite de reparação para assessorar uma comissão ministerial haitiana encarregada de compensar pessoas diretamente vitimadas pela violência ocorrida em 17 de dezembro de 2001. Compunham o conselho:

• uma pessoa indicada pelo Governo do Haiti;

• uma pessoa indicada pelo Secretário-Geral da OEA, dentre uma lista recomendada por instituições do setor privado e igrejas do Haiti; e em terceiro lugar,

• uma pessoa indicada pelo Secretário-Geral no exercício de sua discrição pessoal.

Passado algum tempo, o Ministério da Justiça do Haiti solicitou à OEA a designação de um antropólogo forense para ajudar a reunir evidência no caso Neptune. O pedido não foi atendido naquela ocasião. Contudo, tanto esse pedido como os precedentes estabelecidos por modelos anteriores sugerem, por exemplo, que seria possível estabelecer um conselho ou uma comissão que incluísse um jurista haitiano, um jurista internacional e um perito forense, tal como solicitado anteriormente pelo Governo do Haiti.

Suscitarei amanhã esta possibilidade com o Embaixador Valdés, Representante Especial das Nações Unidas, e pretendo levar avante a proposta na esperança de que o Governo do Haiti e o senhor Neptune a aceitem e de que ela possa servir para romper o impasse antes que este assuma uma dimensão ainda mais trágica.

Agradeço a séria consideração deste assunto e o aconselhamento que me possam dar ao considerarem os fatos. Meus agradecimentos ao Presidente do Conselho, o qual, um mês atrás, como recordarão, indicou que este órgão deveria considerar a adoção de iniciativas apropriadas. Creio que isto é justo para o Governo do Haiti, justo para os direitos humanos do ex-Primeiro-Ministro e essencial para o tipo de futuro que desejamos encorajar no Haiti.