Conceitos para a
segurança hemisférica
Documentos
CONSELHO PERMANENTE DA
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
COMISSÃO DE SEGURANÇA HEMISFÉRICA |
OEA/Ser.G
CP/CSH-278/00
15 março 2000
Original: espanhol |
SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS NA ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS
(Documento elaborado pelo Departamento de Direito
Internacional
da Subsecretaria de Assuntos Jurídicos)
ÍNDICE
Solução Pacífica de Controvérsias na
Organização dos Estados Americanos
ANEXO I. Tratado Americano de Soluções Pacíficas,
"Pacto de Bogotá"
ANEXO II. CP/doc. 1560/85 (Primeira Parte) 9 de abril
de 1985 Estudo elaborado pela Secretaria-Geral da Organização dos
Estados Americanos em cumprimento da resolução AG/RES. 745 (XIV-O/84)
Segunda Parte. Tratado Americano de Soluções Pacíficas, "Pacto
de Bogotá"
ANEXO III. CP/doc.1503/84, 17 de setembro de 1984
Resolução aprovada pela Comissão Jurídica Interamericana, a respeito
de "Estudos sobre os procedimentos de solução pacífica de
controvérsias previstos na Carta da OEA e as ações adicionais
passíveis de serem empreendidas para promover, atualizar e ampliar tais
procedimentos"
ANEXO IV. Comissão Jurídica (CJI/RES.II-3/1985)
ANEXO V. Anuário Jurídico Interamericano 1986
ANEXO VI. CP/doc.1826/87, 13 de agosto de 1987
Relatório da Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos sobre o
estudo do projeto do novo Tratado Americano de Soluções Pacíficas
SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS
NA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
A solução pacífica de controvérsias tem
antecedentes antigos na história do Direito Internacional americano. No
quadro jurídico da Organização dos Estados Americanos, a solução
pacífica de controvérsias é abordada na Carta da Organização, no
Pacto de Bogotá e no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR). Segue-se uma apresentação resumida do regime de cada um desses
instrumentos, de seu inter-relacionamento quanto à solução pacífica
de controvérsias e da situação atual dos trabalhos sobre o tema no
âmbito da Organização.
1. A Carta da Organização dos Estados Americanos
O artigo 2 da Carta estabelece que um dos propósitos
essenciais da Organização é "Prevenir as possíveis causas de
dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que
surjam entre seus membros"(alínea c). No artigo 3, os
Estados membros reafirmam o princípio de que "as controvérsias de
caráter internacional, que surgirem entre dois ou mais Estados
americanos, deverão ser resolvidas por meio de processos pacíficos"
(alínea i)
O Capítulo V da Primeira Parte da Carta é dedicado
à solução pacífica de controvérsias. Os artigos pertinentes
dispõem o seguinte:
Artigo 24. As controvérsias internacionais
entre os Estados membros devem ser submetidas aos processos de solução
pacífica indicados nesta Carta.
Esta disposição não será interpretada no sentido
de prejudicar os direitos e obrigações dos Estados membros, de acordo
com os artigos 34 e 35 da Carta das Nações Unidas.
Artigo 25. São processos pacíficos: a
negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e
conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam
especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes.
Artigo 26. Quando entre dois ou mais Estados
americanos surgir uma controvérsia que, na opinião de um deles, não
possa ser resolvida pelos meios diplomáticos comuns, as partes deverão
convir em qualquer outro processo pacífico que lhes permita chegar a
uma solução.
Artigo 27. Um tratado especial estabelecerá
os meios adequados para solução das controvérsias e determinará os
processos pertinentes a cada um dos meios pacíficos, de forma a não
permitir que controvérsia alguma entre os Estados americanos possa
ficar sem solução definitiva, dentro de um prazo razoável.
Na Segunda Parte, no Capítulo XII, a Carta se refere
ao Conselho Permanente e, no que diz respeito ao tema deste trabalho,
dispõe o seguinte:
Artigo 84. O Conselho Permanente velará pela
manutenção das relações de amizade entre os Estados membros e, com
tal objetivo, ajudá-los-á de maneira efetiva na solução pacífica de
suas controvérsias, de acordo com as disposições que se seguem.
Artigo 85. De acordo com as disposições da
Carta, qualquer parte numa controvérsia, no tocante à qual não esteja
em tramitação qualquer dos processos pacíficos previstos na Carta,
poderá recorrer ao Conselho Permanente, para obter seus bons ofícios.
O Conselho, de acordo com o disposto no artigo anterior, assistirá as
partes e recomendará os processos que considerar adequados para a
solução pacífica da controvérsia.
Artigo 86. O Conselho Permanente, no
exercício de suas funções, com a anuência das partes na
controvérsia, poderá estabelecer comissões
ad hoc.
As comissões ad hoc terão a composição e o
mandato que em cada caso decidir o Conselho Permanente, com o
consentimento das partes na controvérsia.
Artigo 87. O Conselho Permanente poderá
também, pelo meio que considerar conveniente, investigar os fatos
relacionados com a controvérsia, inclusive no território de qualquer
das partes, após consentimento do respectivo governo.
Artigo 88. Se o processo de solução
pacífica de controvérsias recomendado pelo Conselho Permanente, ou
sugerido pela respectiva comissão ad hoc nos termos de seu
mandato, não for aceito por uma das partes, ou qualquer destas declarar
que o processo não resolveu a controvérsia, o Conselho Permanente
informará a Assembléia Geral, sem prejuízo de que leve a cabo
gestões para o entendimento entre as partes ou para o reatamento das
relações entre elas.
Artigo 89. O Conselho Permanente, no
exercício de tais funções, tomará suas decisões pelo voto
afirmativo de dois terços dos seus membros, excluídas as partes, salvo
as decisões que o regulamento autorize a aprovar por maioria simples.
Artigo 90. No desempenho das funções
relativas à solução pacífica de controvérsias, o Conselho
Permanente e a comissão ad hoc respectiva deverão observar as
disposições da Carta e os princípios e normas do Direito
Internacional, bem como levar em conta a existência dos tratados
vigentes entre as partes.
O regime da Carta se completa com a atribuição
conferida ao Secretário-Geral pelo artigo 110, que dispõe que ele
"poderá levar à atenção da Assembléia Geral ou do Conselho
Permanente qualquer assunto que, na sua opinião, possa afetar a paz e a
segurança do Continente e o desenvolvimento dos Estados membros".
Pode-se afirmar que o sistema de solução pacífica
de controvérsias estabelecido pela Carta da Organização representa,
depois da reforma efetuada pelo Protocolo de Cartagena, um avanço no
que tange ao mecanismo estabelecido antes de 1985. Esse avanço consiste
na faculdade conferida ao Conselho Permanente de tomar providências
para a solução pacífica das controvérsias mediante solicitação de
uma das partes. Acredita-se, também, que as comissões ad hoc
conferem maior flexibilidade à eventual ação do Conselho Permanente
e, no âmbito geral, o regime esclarece a situação jurídica relativa
à aplicação dos artigos 34 e 35 da Carta das Nações Unidas. E
acresce uma dose de flexibilidade à faculdade conferida ao
Secretário-Geral pelo sistema atual da Carta.
Um aspecto que tem causado dificuldade tem a ver com
o "tratado especial" a que se refere o artigo 27 da Carta. O
Pacto de Bogotá, o tratado em questão, é focalizado a seguir.
2. Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto
de Bogotá)
O Pacto de Bogotá1 foi
precedido de diversos instrumentos jurídicos adotados pelos Estados
americanos desde a primeira metade do século XIX2.
Esse instrumento, adotado durante a Nona Conferência Internacional
Americana em 1948, especifica os diversos meios de solução pacífica
de controvérsias que podem ser aplicados pelos Estados signatários e
que sãos os mesmos mencionados no artigo 25 da Carta da Organização.
Como disse o primeiro Secretário-Geral, o doutor Alberto Lleras, em seu
Relatório ao Conselho da Organização.3
…o Tratado prevê um sistema lógico de medidas
pacíficas entre as quais os Estados podem optar, mas se sua
aplicação não for suficiente e a fase de conciliação fracassar e
se as partes se puserem de acordo para submeter a questão à
arbitragem, qualquer delas terá direito a recorrer à Corte
Internacional de Justiça, cuja jurisdição ficará, obrigatoriamente,
aberta, conforme o inciso 2 do artigo 36 de seu Estatuto. A medida,
que parece dramaticamente radical, não é mais do que a
conseqüência lógica da declaração reiterada dos Estados
americanos de sua disposição de resolver todo conflito por
procedimentos pacíficos.
O Pacto de Bogotá foi assinado pelos 21 Estados
membros da Organização naquela ocasião, dos quais 14 o ratificaram e
um o denunciou prontamente.4 Contudo, os
Estados que o ratificaram fizeram ressalvas que "afetam,
consideravelmente, a validez e eficácia desse instrumento. As ressalvas
formuladas por alguns países são de tal alcance que, obviamente,
tornam sem efeito, para esses países, as estipulações mais
importantes do sistema de solução pacífica previstas no Pacto".5
Diante dessa situação, fizeram-se várias
tentativas de modificação do Pacto de Bogotá para sanar suas
limitações. Essas tentativas tiveram início em 1954 e prosseguiram no
processo da Comissão Especial para Estudar o Sistema Interamericano e
Propor Medidas para sua Reestruturação (CEESI, 1972 a 1975). A reforma
da Carta da Organização pelo Protocolo de Cartagena (1985) propiciou a
oportunidade para um novo exame do sistema consagrado no Pacto de
Bogotá e na Carta da Organização.6
Em 1971, a Assembléia Geral incumbiu a Comissão
Jurídica Interamericana de, à luz do disposto no artigo 26 da Carta (atual
artigo 27) e, com base na experiência adquirida na sua aplicação,
estudar os tratados e convenções que constituem o sistema
interamericano de paz, com vistas a fortalecer o sistema.7
A Comissão Jurídica Interamericana aprovou, em 21 de agosto de 1984, a
resolução intitulada "Estudos sobre os processos de solução
pacífica de controvérsias previstos na Carta da OEA e das ações
adicionais que poderiam ser tomadas para promover, atualizar e ampliar
esses processos". Essa resolução foi acompanhada do parecer sobre
as "Funções e faculdades das Nações Unidas e dos organismos
regionais com respeito à solução pacífica de controvérsias.8
Posteriormente, a Comissão Jurídica Interamericana aprovou a
resolução 13/85, em que consta o Exame do Tratado Americano de
Soluções Pacíficas, "Pacto de Bogotá" e que inclui um
projeto de emenda do Pacto.9 Em 1987, o
jurista Jiménez de Aréchaga procedeu a uma análise crítica do
projeto da Comissão Jurídica.10
Cumpre mencionar, ainda, o processo iniciado pela
Colômbia, em 1986, com a apresentação de um projeto de tratado
especial. A Assembléia Geral solicitou aos governos que fizessem
observações sobre o referido projeto, observações essas que foram
compiladas e analisadas por um Grupo Informal de Trabalho da Comissão
de Assuntos Jurídicos e Políticos. Sobre o assunto, o Presidente do
Grupo Informal declarou em seu relatório que:
As opiniões expostas no Grupo de Trabalho deixaram
claro que existe uma divergência substantiva na Organização quanto
à conveniência de revisar ou substituir o Pacto de Bogotá. Essa
divergência vai além das considerações de caráter jurídico e só
poderá ser resolvida mediante um acordo político entre os países
membros. Esse acordo é indispensável para o estudo do projeto da
Delegação da Colômbia, referido pela Assembléia Geral ao Conselho
Permanente, mediante a resolução AG/RES. 821, nas sessões
realizadas na Guatemala, em novembro de 1986.11
Apesar das opiniões favoráveis de especialistas
qualificados, o Pacto de Bogotá não tem tido a aplicação almejada
quando de sua elaboração, em vista das importantes ressalvas feitas
por alguns dos Estados Partes por causa do mecanismo automático de
arbitragem obrigatória e do recurso à Corte Internacional de Justiça.
Outros Estados acreditam que um elemento que tem entravado a
operacionalidade do Pacto é o fato de que ele impede que eles próprios
julguem os fatos que são de sua jurisdição interna. Outro elemento é
a interpretação diferente, por parte de alguns Estados, quanto à
possibilidade de se submeterem aos mecanismos previstos no Pacto
questões que já existiam antes de sua adoção. Ademais, tampouco tem
havido acordo quanto à possibilidade de se elaborar um novo tratado e
à forma de resolver a situação jurídica que decorreria de uma tal
iniciativa.
3. Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (TIAR)
O TIAR, concebido como um mecanismo de segurança
coletiva para enfrentar atos de agressão, estabelece as bases
jurídicas para a aplicação de procedimentos de solução pacífica de
controvérsias, uma vez colocado em prática. Assim dispõem os artigos
pertinentes:
Artigo 1. As Altas Partes Contratantes
condenam formalmente a guerra e se obrigam, nas suas relações
internacionais, a não recorrer à ameaça nem ao uso da força, de
qualquer forma incompatível com as disposições da Carta das Nações
Unidas ou do presente Tratado.
Artigo 2. Como conseqüência do princípio
formulado no artigo anterior, as Altas Partes Contratantes comprometem-se
a submeter toda controvérsia que entre elas surja aos métodos de
solução pacífica e a procurar resolvê-la entre si, mediante os
processos vigentes no Sistema Interamericano, antes de a referir à
Assembléia Geral ou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Artigo 7. Em caso de conflito entre dois ou
mais Estados americanos, sem prejuízo do direito de legítima defesa,
de conformidade com o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, as Altas
Partes Contratantes, reunidas em consulta, instarão com os Estados em
litígio para que suspendam as hostilidades e restaurem o status quo
ante bellum e tomarão, além disso, todas as outras medidas
necessárias para se restabelecer ou manter a paz e a segurança
interamericanas e para que o conflito seja resolvido por meios
pacíficos. A recusa da ação pacificadora será levada em conta na
determinação do agressor e na aplicação imediata das medidas que se
acordarem na reunião de consulta.
As aplicações desse tratado têm sido,
fundamentalmente, para responder a situações criadas entre Estados do
Hemisfério.12 A ação pacificadora do
órgão de Consulta tem sido empreendida, em geral, após a situação
inicial haver sido denunciada pelo governo que se considerou agredido.
Essa situação fez notar que:
O fato de que qualquer das Partes envolvidas num
conflito pode pedir a convocação do Órgão de Consulta e de que a
rejeição de sua ação pacificadora pode dar motivo às comuns –
porém impropriamente denominadas – sanções enumeradas no artigo 8
são fatores determinantes para que se procure alcançar a solução
pacífica da controvérsia por esse Tratado e não pelo Pacto de
Bogotá. O perigo desse modo de proceder… é que a controvérsia se
agrave, a ponto de constituir uma ameaça à paz e à segurança do
Continente. Em outras palavras, o TIAR serve para apagar o incêndio,
mas não para preveni-lo.
A última aplicação do TIAR se deu em 1982, quando
o Órgão de Consulta foi convocado a pedido da Argentina, em seu
conflito com o Reino Unido.
Os antecedentes aqui expostos permitem concluir que,
em matéria de solução pacífica de controvérsias, as reformas
introduzidas na Carta da Organização propiciam um mecanismo flexível,
que permite a intervenção do Conselho Permanente numa ação
pacificadora em que só um Estado membro da Organização tenha
interesse. Os meios de solução pacífica de controvérsias enumerados
na Carta são os meios tradicionais, que estão definidos no Pacto de
Bogotá. Esse tratado, apesar de fazer uma definição adequada desses
meios de solução pacífica, não conta com a adesão da maioria dos
Estados membros da Organização e tem sido objeto de ressalvas
importantes no que diz respeito ao recurso obrigatório a meios nele
definidos e à definição das questões da jurisdição interna dos
Estados. Os Estados Partes no Pacto de Bogotá e os Estados membros da
Organização têm considerado, em diversas ocasiões, a possibilidade
de reformá-lo para torná-lo mais efetivo. Essas tentativas, no entanto,
não têm produzido os resultados desejados, por razões jurídicas, mas,
fundamentalmente, por causa das posições políticas dos Estados. Nesse
contexto, o instrumento internacional que tem levado à aplicação de
meios de solução pacífica a diversas controvérsias surgidas entre os
Estados Partes tem sido o Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca. No entanto, esse instrumento não tem sido aplicado desde
1982.
END NOTES
-
Ver Anexo I.
-
Ver Sistema Interamericano a
través de tratados, convenciones y otros documentos. Compilação
anotada por F.V. García Amador, Subsecretaria de Assuntos Jurídicos,
Vol. I, Introducción Histórica (páginas 1-67) e o Capítulo IX de El
Sistema de Arreglo Pacífico de Controversias. Ver, também,
Comissão Jurídica Interamericana, Curso de Direito Internacional 1987
(Callejas, páginas 157 ss., e Acevedo, páginas 173 ss.), bem como o de
1991 (Infante Caffi, páginas 59 ss.) Informes y Recomendaciones 1985
– Examen del Tratado Americano de Soluciones Pacíficas, páginas
60-101; e o Anuário Jurídico Interamericano de 1986 (Jiménez de
Aréchaga, páginas 3 ss.)
-
3 de novembro de 1948, Anais da
Organização dos Estados Americanos, Vol. I, No 1, páginas
48 ss.
-
Ver a Lista de Assinaturas e
Ratificações no Anexo II.
-
Sistema Interamericano citado,
página 748.
-
O Anexo II apresenta o conjunto de
elementos envolvidos na reforma do sistema. O parágrafo 1. a) apresenta
o sistema atual constante na Carta da OEA.
-
AG/RES. 54 (I-O/71).
-
Ver Anexo III.
-
Ver Anexo IV.
-
Ver Anexo V.
-
Ver Anexo VI.
-
Ver Sistema Interamericano…op.
cit., páginas 853-63.
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