A segurança coletiva é um tema que começou a ser
considerado no Sistema Interamericano na década de 1930 como resultado
da situação existente na época e que desembocaria na II Guerra
Mundial. Os princípios e procedimentos estabelecidos em 1936 na
Conferência Interamericana de Consolidação da Paz, nos instrumentos
adotados na Oitava Conferência Americana (Lima, 1938), na Segunda
Reunião de Consulta (Havana, 1940) e na Conferência Interamericana
sobre Problemas da Guerra e da Paz (México, 1945)1
são os antecedentes diretos do Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (TIAR) que regula a segurança coletiva no âmbito da
Organização dos Estados Americanos.2 A
Carta da Organização, por sua vez, refere-se também a este assunto.
Figuram, a seguir, os aspectos fundamentais do regime de segurança
coletiva na OEA e a proposta realizada com vistas a modificar o TIAR.
É importante levar em conta que depois da proposta
formalizada no Protocolo de Reformas do TIAR em 1975 não se envidou um
esforço sistemático de revisão deste tratado e da forma como se
relaciona com os outros instrumentos jurídicos da Organização dos
Estados Americanos e com a realidade hemisférica e internacional em que
ela se situa.3 Este trabalho é uma
sistematização inicial das principais normas jurídicas vigentes na
Organização.
1. A Carta da Organização dos Estados Americanos
A Carta da Organização estabelece em seu artigo 2
os propósitos essenciais "para realizar os princípios em que se
baseia e para cumprir com as suas obrigações regionais de acordo com a
Carta das Nações Unidas." Na alínea a estabelece como um
desses propósitos "garantir a paz e a segurança continentais"
e na alínea d o de "organizar a ação solidaria destes (os
Estados membros) em caso de agressão."
No artigo 3, por sua vez, a Carta reafirma os
princípios, entre os quais se encontra o consegnado na alínea h,
segundo o qual "a agressão a um Estado americano constitui uma
agressão a todos os demais Estados americanos."
A Carta da Organização dedica os seguintes dos
artigos do Capítulo VI da Primeira Parte ao tema da segurança coletiva:
Artigo 28. Toda agressão de um Estado contra
a integridade ou a inviolabilidade do território, ou contra a soberania,
ou a independência política de um Estado americano, será considerada
como um ato de agressão contra todos os demais Estados americanos.
Artigo 29. Se a inviolabilidade, ou a
integridade do território, ou a soberania, ou a independência
política de qualquer Estado americano forem atingidas por um ataque
armado, ou por uma agressão que não seja ataque armado, ou por um
conflito extracontinental, ou por um conflito entre dois ou mais Estados
americanos, ou por qualquer outro fato ou situação que possa pôr em
perigo a paz da América, os Estados americanos, em obediência aos
princípios de solidariedade continental, ou de legítima defesa
coletiva, aplicarão as medidas e processos estabelecidos nos tratados
especiais existentes sobre a matéria.
A Carta da Organização também estabelece o
procedimento aplicável à Reunião de Consulta dos Ministros das
Relações Exteriores nos seguintes termos:
Artigo 61. A Reunião de Consulta dos
Ministros das Relações Exteriores deverá ser convocada a fim de
considerar problemas de natureza urgente e de interesse comum para os
Estados americanos, e para servir de Órgão de Consulta.
Artigo 62. Qualquer Estado membro pode
solicitar a convocação de uma Reunião de Consulta. A solicitação
deve ser dirigida ao Conselho Permanente da Organização, o qual
decidirá, por maioria absoluta de votos, se é oportuna a reunião.
Artigo 63. A agenda e o regulamento da
Reunião de Consulta serão preparados pelo Conselho Permanente da
Organização e submetidos à consideração dos Estados membros.
Artigo 64. Se, em caso excepcional, o Ministro
das Relações Exteriores de qualquer país não puder assistir à
reunião, far-se-á representar por um delegado especial.
Artigo 65. Em caso de ataque armado ao
território de um Estado americano ou dentro da zona de segurança
demarcada pelo tratado em vigor, o Presidente do Conselho Permanente
reunirá o Conselho, sem demora, a fim de determinar a convocação da
Reunião de Consulta, sem prejuízo do disposto no Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca no que diz respeito aos
Estados Partes no referido instrumento.
Artigo 66. Fica estabelecida uma Comissão
Consultiva de Defesa para aconselhar o Órgão de Consulta a respeito
dos problemas de colaboração militar, que possam surgir da aplicação
dos tratados especiais existentes sobre matéria de segurança coletiva.
Artigo 67. A Comissão Consultiva de Defesa
será integrada pelas mais altas autoridades militares dos Estados
americanos que participem da Reunião de Consulta. Excepcionalmente, os
governos poderão designar substitutos. Cada Estado terá direito a um
voto.
Artigo 68. A Comissão Consultiva de Defesa
será convocada nos mesmos termos que o Órgão de Consulta, quando este
tenha que tratar de assuntos relacionados com a defesa contra agressão.
Artigo 69. Quando a Assembléia Geral ou a
Reunião de Consulta ou os governos lhe cometerem, por maioria de dois
terços dos Estados membros, estudos técnicos ou relatórios sobre
temas específicos, a Comissão também se reunirá para esse fim.
Como se pode perceber, há duas situações nas quais
se pode convocar ao Órgão de Consulta: no âmbito da Carta da
Organização4 e no âmbito do TIAR, por
parte de seus Estados.
2. O Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (TIAR)
O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca,
adotado pela Terceira Reunião de Consulta de Ministros das Relações
Exteriores realizada no Rio de Janeiro, Brasil em 1947,5
responde ao conceito de solidariedade continental para adotar medidas de
legítima defesa ou outras medidas coletivas para a defesa comum e a
manutenção da paz e da segurança. Neste âmbito, o TIAR promove a
solução pacífica da controvérsia exposta em su artigo 2 e o Órgão
de Consulta pode atuar com tal fim, segundo o disposto no artigo 7. O
TIAR foi aplicado em 19 oportunidades, sendo a última em 1982.6
O TIAR é o tratado especial a que se refere o artigo
29 da Carta da Organização e define as medidas e os procedimentos para
dar a resposta coletiva quando um Estado parte sofrer um ataque armado (artigo
3) ou uma agressão que não seja ataque armado (artigo 6). O mencionado
artigo 3 contém uma referência específica ao "exercício do
direito imanente à legítima defesa individual ou coletiva que
reconhece o artigo 51 da Carta das Nações Unidas." O artigo 5, em
concordância, indica a obrigação de informar o Conselho de Segurança,
em conformidade com os artigos 51 e 54 da Carta das Nações Unidas,
"sobre as atividades desenvolvidas" no exercício da legítima
defesa ou com o objetivo de conseguir a solução pacífica da
controvérsia. O artigo 10, por sua vez, reforça o vínculo com o
sistema das Nações Unidas ao estabelecer que nenhuma das
estipulações do TIAR será interpretada no sentido de diminuir os
direitos e as obrigações das Partes de acordo com a Carta das Nações
Unidas. O TIAR também define a região na qual é aplicável (artigo 4)
e as medidas que pode adotar o Órgão de Consulta (artigo 8). O TIAR
também regula o funcionamento do Órgão de Consulta (artigos 11 a 19)
e a obrigatoriedade das medidas adotadas, excetuando a aplicação da
força armada que requer o consentimento expresso de cada Estado (artigos
20 e 21).
A Assembléia Geral da Organização decidiu, em seu
período ordinário de sessões realizado em abril de 1973, iniciar um
processo de "exame, análise e avaliação críticos da concepção,
instrumentos, estrutura e funcionamento do Sistema Interamericano,"
(AG/Res. 127) criando para tal efeito a Comissão Especial para Estudar
o Sistema Interamericano e Propor Medidas para a sua Reestruturação (CEESI).
Esse processo incluiu a revisão do TIAR e culminou em 1975 com o
Protocolo de Reformas ao Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca,7 adotado pela Conferência de
Plenipotenciários realizada em San José da Costa Rica naquele ano. O
protocolo de Reformas foi ratificado por sete dos 22 Estados partes8
nele, fato pelo qual não chegou a entrar em vigor.9