PALAVRAS DE SUA EXCELÊNCIA O SENHOR

EMBAIXADOR OSMAR VLADIMIR CHOHFI

SECRETARIO-GERAL DAS RELAÇOES EXTERIORES

CHEFE DA DELEGAÇÃO DO BRASIL À

XXXII ASSEMBLÉIA GERAL DA OEA

 

DIALOGO DOS CHEFES DE DELEGAÇAO

Tema 2: Seguimento e Desenvolvimento da Carta Democrática Interamericana

Bridegtown, em 4 de junho de 2002

 

Senhora Presidenta da Assembléia Geral,

Ao longo de toda a sua história, a OEA tem mantido alto grau de compromisso com os ideais da democracia. O artigo segundo da Carta da Organização estabelece como um de seus propósitos essenciais a promoção e a defesa da democracia. Somos hoje uma comunidade de 34 países democráticos.

A democracia é, contudo, um processo permanente, um longo caminho de aperfeiçoamento, pelo qual evoluímos. Não está isenta de crises e impasses.

Em senminário realizado no ano passado na sede da Organização, o Professor Alain Tourraine afirmou que a democracia possui todo tipo de adversário, desde as ameaças de golpes de estado até a falta de confiança de setores da população nas instituições e nos políticos. Não obstante haver descontentamentos com certas carências da democracia no hemisfério, isso não significa que a população esteja disposta a substituí-Ia. O que existe, na verdade, é que nos últimos vinte anos as nações americanas cada vez mais identificam boa governabilidade a democracia, e a maioria dos países de nosso hemisfério enfrenta um déficit social de séculos e não conta com um Estado capaz de intervir para eliminá-lo.

Uma democracia bem-sucedida e estável deve ainda ser capaz de inspirar as normas que regem as relações econômicas e comerciais entre os Estados. Há muita verdade na máxima "enriqueça seu vizinho" ("enrichen thy neighbour"), posto que somente a prosperidade compartilhada é capaz de fomentar uma interação verdadeiramente democrática entre os povos. Consciente dessa importante questão, o Brasil tem insistido, em foros regionais e internacionais, que as regras que governam as relações entre os Estados, o comércio mundial e o funcionamento dos organismos multilaterais ofereçam aos países em desenvolvimento condições favoráveis à superação da miséria e da exclusão social. É assim que entendemos a globalização.

A consolidação da democracia exige mais avanços, no entanto. Exige que se eduque a cidadania em valores democráticos, que se lhe aumente o acesso às informações e se lhe proporcione maior capacidade de participação na vida pública e no processo decisório.

O diálogo e a reflexão são armas de defesa da democracia e, como tais, não podem jamais ser abandonados. Cada um de nossos países deve manter-se aberto ao diálogo, defendendo sem restrições o livre fluxo das informações e do pensamento. Deve estar preparado para exercer uma soberania ao mesmo tempo plena, transitiva e firme na preservação dos interesses nacionais. Deve combinar a defesa da soberania e da democracia, de modo a colocar-se em sintonia com a evolução dos valores compartilhados por uma parcela cada vez mais numerosa da sociedade das nações.

Emanada das decisões da Cúpula de Québec, a Carta Democrática Interamericana, que foi adotada em Lima nas circunstâncias dramáticas do dia 11 de setembro, preserva e reafirma o compromisso dos países americanos com o fortalecimento das instituições democráticas, ao mesmo tempo em que agrega valor à aEA. Inspirados nos ideais reiterados em nosso hemisfério há quase um século, e conscientes dos constantes desafios que nos espreitam ainda nos dias de hoje, adotamos um instrumento atual e vigoroso, que responde ao desejo coletivo de contra com um sistema fundamentado na segurança política e jurídica. A cláusula democrática contida na Carta representa um desenvolvimento progressivo dos princípios ordenadores da democracia representativa adotados pelos países do hemisfério, conciliando tradição e renovação.

O Brasil apoiou com entusiasmo a idéia de uma Carta Democrática Interamericana, e participou construtivamente de sua elaboração. Queríamos um documento que consolidasse as normas de promoção e defesa da democracia já existentes, incorporando ao mesmo tempo mecanismos que nos permitissem enfrentar uma gama mais ampla de ameaças à institucionalidade democrática.

Ainda no âmbito dos esforços em apoio à Carta Democrática, na fase de elaboração do texto a Chancelaria brasileira promoveu ampla consulta à sociedade brasileira. Fizemos desse modo intensa divulgação do projeto junto a entidades acadêmicas e organizações não-governamentais. Após a assinatura do documento, lançamos um concurso de monografias sobre a Promoção e a Defesa da Democracia no Hemisfério, aberto a estudantes universitários e pesquisadores. Como resultado desses esforços e dos contatos com os diferentes setores internos, temos podido verificar que os anseios da sociedade brasileira apontam para mais democracia e participação política, processos decisórios mais abertos e transparentes, mais desenvolvimento, mais justiça social e respeito aos direitos humanos, tanto no plano interno como internacional.

Senhora Presidenta,

Recentemente pusemos à prova pela primeira vez -e com êxito -a Carta Democrática Interamericana, numa manifestação inequívoca de apego à democracia e aos princípios da solidariedade hemisférica. Os povos americanos, já institucionalmente maduros, enviamos clara mensagem de repúdio à ruptura do estado de direito pela força na Venezuela. Reiteramos a convicção de que o único caminho a ser seguido é o da conciliação, da reflexão e do desarmamento dos espíritos. O Brasil acredita ainda que esta Organização está apta a desempenhar funções no processo de diálogo entre as diferentes forças políticas venezuelanas, nos termos da resolução que adotamos por ocasião da Vigésima Nona Assembléia Geral Extraordinária, a qual oferece o apoio da OEA que o Governo da Venezuela requeira.

Sempre respeitando as normas do Direito Internacional, a política externa brasileira defende externamente os mesmos valores e objetivos perseguidos no âmbito nacional. Prezamos a liberdade e as instituições democráticas, concebendo a democracia como um processo de crescente parceria entre o governo e a sociedade civil, guiado pelo objetivo último da justiça social.

Assim como desejamos um futuro mais estável, mais próspero e mais integrado para nosso país, queremos que venha ele a ocorrer nos demais países do hemisfério e, para atingir esse futuro almejado, nos propomos a seguir trabalhando em prol da democracia nas Américas.

Muito obrigado.

11/02.06.02