PALAVRAS DE SUA
EXCELÊNCIA O SENHOR
EMBAIXADOR OSMAR VLADIMIR CHOHFI
(Obs.: Este
documento foi digitalizado de um original impresso e pode conter erros)
SECRETARIO-GERAL
DAS RELAÇOES EXTERIORES CHEFE DA DELEGAÇÃO DO BRASIL À XXXII ASSEMBLÉIA GERAL
DA OEA
Diálogo dos Chefes de Delegação
Tema 1: Abordagem Multidimensional à
Segurança Hemisférica
Bridgetown, em 3 de junho de 2002
Senhora Presidenta da Assembléia Geral,
Ao agradecer ao Governo e ao povo barbadianos a acolhida que nos
proporcionam, gostaria de manifestar nossa satisfação pela escolha deste tema
de debate. Nesse sentido, manifesto o nosso apreço pela importante contribuição
que o documento de trabalho apresentado pela Delegação de Barbados traz às
nossas discussões. O Governo brasileiro tem em inúmeras oportunidades
ressaltado a necessidade de que seja levado em conta, no processo de
identificação de novos parâmetros de segurança hemisférica, as diferenças e
especificidades regionais.
Nesse contexto, o Brasil tem sido sensível às preocupações de
segurança dos pequenos Estados insulares, sujeitos a um conjunto próprio de
vulnerabilidades. Questões como o narcotráfico, HIV / AIDS, lavagem de
dinheiro, comércio ilegal de armas de fogo, mudanças climáticas, desastres
naturais e terrorismo constituem ameaças à maioria dos Estados membros, mas é
forçoso reconhecer que no caso dos pequenos países insulares podem representar
perigo à própria sobrevivência como Estado-nação.
Por esse motivo, o Brasil dispõe-se a discutir fórmulas pelas
quais a Conferência Especial sobre Segurança, que a Comissão de Segurança
Hemisférica da OEA se empenha em preparar, aborde de maneira apropriada as
diferenças de cunho estratégico existentes entre as Américas do Sul, Central e
do Norte, bem como as preocupações específicas e legítimas de segurança dos
Estados insulares.
Senhora Presidenta,
Inseridos em um cenário internacional em rápida evolução, países
que compartem um mesmo conjunto de valores e objetivos têm muito a ganhar com o
intercâmbio de opiniões e experiências que contribuam para o delineamento de
novos conceitos e novas perspectivas.
Esta Organização está discutindo a atualização de sua agenda de segurança
de modo a desenvolver enfoques comuns e a identificar formas de revitalizar os
acordos e mecanismos do Sistema lnteramericano relacionados com os distintos
aspectos da segurança hemisférica.
Nessas deliberações, nossos governos parecem coincidir no sentido
de que os principais problemas que enfrentam os Estados americanos neste início
de século não provêm fundamentalmente de possíveis ameaças militares externas,
e sim de um conjunto inédito de desafios, chamados por isso mesmo de
"novas ameaças", que abrangem desde o crime organizado transnacional
-em particular o narcotráfico -até o terrorismo, passando pelo contrabando de
aflllas, a corrupção, a lavagem de dinheiro e as vulnerabilidades inerentes ao
processo de globalização, entre outros.
Observa-se, portanto, a transferência de prioridades que antes se
situavam no campo da defesa, esta referida às missões clássicas das forces
armadas, para o terreno mais amplo e difuso da segurança.
A presença crescente de ameaças transnacionais de natureza nãomilitar
demanda, cada vez mais, a ação coordenada e além-fronteiras das polícias, de
diversos órgãos e agências governamentais, bem como de mecanismos interestatais
de cooperação.
Vale lembrar, contudo, que no cenário estratégico atual a
cooperação em matéria de defesa e o intercâmbio entre as forças armadas dos
países do continente continua a merecer atenção.
Segundo esta abordagem "multidimensional", a adoção de
políticas de defesa, bem como a modernização das estruturas militares
revestem-se de ] particular importância, pois o fato de o quadro de ameaças
ter-se tomado mais complexo e difuso não significa que os países devam
renunciar à sua capacidade legítima de autodefesa. Direito esse, aliás,
assegurado pelas próprias Cartas da ONU e da OEA.
O Brasil tem atuado no sentido de aproximar países, reduzir
tensões e consolidar um clima positivo, propício ao desenvolvimento econômico e
social. A adoção da Política de Defesa Nacional, em 1996, e a criação do
Ministério da Defesa, em 1999, possibilitaram ao País reforçar seus canais de
diálogo com as nações americanas nos planos bilateral, subregional,
sul-americano e hemisférico.
País amante da paz, defensor das normas do direito internacional e
há mais de 100 anos sem se envolver em qualquer tipo de conflito armado com
seus vizinhos, o Brasil tem demonstrado de forma transparente e clara sua
intenção de construir, por meio da cooperação e do reforço da integração
regional, um espaço de paz na América do Sul, possibilitando assim aos países
da região concentrar esforços no desenvolvimento econômico e social.
No plano bilateral, o Brasil constituiu Grupos de Trabalho
Bilaterais de Defesa com vários vizinhos do continente.
No nível sub-regional, tem favorecido a adoção de vários
instrumentos para o reforço da segurança como, por exemplo, a Declaração
Política do Mercosul, Bolívia e Chile como Zona de Paz, ou o Plano Geral de
Cooperação e Coordenação Recíproca para a Segurança Regional do Mercosul.
No âmbito sul-americano, tem dado seguimento às decisões referents
à integração física do continente, tomadas pela histórica Reunião de
Presidentes da América do Sul, realizada em Brasília no ano 2000.
Finalmente, no plano hemisférico, tem tido presença ativa nas
Reuniões de Ministros de Defesa das Américas, a última das quais realizouse na
cidade brasileira de Manaus, além de estar profundamente empenhado em dar sua
parcela de contribuição à discussão, no âmbito da OEA, de novos conceitos e
diretrizes que orientem o pensamento estratégico dos países do Hemisfério nesse
início de século.
Acreditamos, contudo, ser dificil a convergência em tomo de uma
concepção única e abrangente de segurança, plenamente aplicável às três massas
continentais das Américas e ao Caribe.
A América do Sul, continente no qual se insere geograficamente o
Brasil, possui identidade estratégica própria. Distante dos principais eixos de
tensão mundial, livre de armas nucleares e com baixos índices de despesas
militares, os países sul-americanos conduzem um bem sucedido processo de
integração regional, impulsionado pelo Mercosul e pela Comunidade Andina. A
circunstância geográfica de uma mesma vizinhança imediata leva-nos a trabalhar
em tomo de uma agenda comum de temas, oportunidades e preocupações.
A democracia, a integração regional, nossa crescente comunhão de
valores contribuem para que a América do Sul também se consolide como uma zona
de paz, onde a cooperação e a busca conjunta da estabilidade e da prosperidade
levaram à superação definitiva das rivalidades do passado, criando uma teia
irreversível de interesses e oportunidades.
Com todo o hemisfério mantemos posições convergentes em tomo dos
grandes temas da agenda internacional, tais como, entre outros, a promoção e
defesa da democracia, o respeito pelos direitos humanos, a proteção do meio
ambiente, a superação da pobreza, o combate ao crime organizado e a
não-proliferação de armas de destruição em massa.
Iniciativas subregionais e regionais não devem ser interpretadas
como entraves à construção de uma perspectiva hemisférica de segurança. Ao
contrário, constituem etapas importantes de reforço e complementaridade para
arranjos de alcance hemisférico, pois facilitam, por meio de "building
blocks", a identificação e a inclusão, no contexto geral, daqueles
aspectos que podem ter aplicação comum.
Após os atentados de 11 de setembro, a comunidade interamericana
reagiu com admirável convergência em suas manifestações de apoio ao povo e ao
Governo dos Estados Unidos, ao expressar sua condenação aos atentados e
disposição de agir coletivamente para combater o terrorismo.
Com amplo respaldo dos demais Estados-partes, o Brasil tomou a
iniciativa de invocar o Tratado lnteramericano de Assistência Recíproca porque
a excepcional gravidade dos ataques e a discussão de seus desdobramentos
justificaram o recurso ao mecanismo hemisférico de segurança coletiva vigente.
Nesse contexto, o TIAR mostrou-se ainda válido como marco jurídico
hemisférico para a discussão franca, a definição de linhas de ação comuns e a
expressão da solidariedade diante de agressões, e como tal deve ser preservado.
A ele poderão somar-se avanços e atualizações que os Estados venham a julgar
adequados, a fim de atender às demandas de segurança dos novos tempos.
Uma lição a extrair da tragédia de 11 de setembro é a de que a
luta contra as redes delituosas tem de fazer-se também por meio de redes que
nos unam a todos. A infra-estrutura institucional e jurídica básica existe:
esta Organização, as Nações Unidas, todo o conjunto de organismos, normas,
regimes e articulações multilaterais, globais e regionais, bem como todos os
acordos e múltiplos canais bilaterais entre os países.
Trata-se agora de nos valermos dessas redes com maior eficácia e
sentido de prioridade. Hoje alcançamos inegável progresso na construção dessa
infra-estrutura básica, ao assinarmos a Convenção lnteramericana contra o
Terrorismo, instrumento que entendemos terá fundamental importância para os
esforços comuns de prevenir e erradicar o terrorismo.
Ao lado do terrorismo, o narcotráfico é outro mal que afeta o
mundo contemporâneo e que precisa ser combatido com detem1inação. Suas
ramificações internacionais levam ao desenvolvimento de uma cultura de
violência e subversão que contamina o tecido social e ameaça as instituições
nacionais. No âmbito da OEA, consolidou-se o princípio de que a cooperação
internacional nesse campo deve se reger pela responsabilidade compartilhada
entre países produtores, países de trânsito e países consumidores, segundo uma
estratégia que confira igual ênfase ao controle da oferta, à redução da demanda
e ao tratamento de dependentes.
A importância que atribuímos ao desenvolvimento econômico e social
de nossos povos têm detem1inado as prioridades de investimento dos Governos da
região, levando a que os gastos na área de defesa dos países latino-americanos
se situem entre os mais reduzidos do mundo.
O Brasil considera inconvenientes, nesse quadro, quaisquer
iniciativas que possam fazer pensar que exista hoje na América do Sul, ou na
América Latina de uma maneira geral, o risco de uma corrida armamentista.
Medidas no âmbito hemisférico com vistas à contenção de gastos militares devem
ser motivo de consideração cuidadosa, pois o cenário estratégico atual não
pem1ite aos países simplesmente abrirem mão de uma capacidade defensiva que, no
caso latino-americano, já é mínima.
Senhora Presidenta,
É fundamental que as ameaças à segurança sejam enfrentadas
assegurando-se respeito pleno aos valores compartilhados que estão na base do
sistema interamericano: democracia, diversidade, tolerância, direitos humanos,
repúdio ao racismo e à xenofobia, respeito às liberdades individuais e ao valor
intrínseco da vida humana. Sem isso, nossa luta perderá legitimidade. Não há
melhor antídoto para a violência do que a democracia.
Ao lado da preservação dos ideais democráticos, temos ainda de seguir
enfrentando os problemas sociais que, em muitos casos, geram ambientes
favoráveis ao surgimento e operação das redes de crime: pobreza, desigualdade,
degradação urbana, desesperança, debilidade dos services públicos e carência de
recursos para políticas sociais e para a contenção das ameaças à segurança
pública. Tais circunstâncias podem comprometer a própria coesão social e
ameaçar as instituições, com reflexos na capacidade dos países de concentrar
esforços no desenvolvimento. a objetivo do desenvolvimento integral, consagrado
na Carta da aEA, deve estar sempre presente, pois os riscos políticos
contaminam as dimensões da economia e da segurança. A solidariedade econômica é
um dos instrumentos indispensáveis à redução dos riscos políticos e, também, um
inibidor da proliferação de redes criminosas.
Como assinalou o Presidente Femando Henrique Cardoso, em discurso
que pronunciou em outubro último, os temas ligados à segurança e , à defesa,
ainda que importantes, "não devem e não precisam acarretar uma perda de
espaço para os temas vinculados à cooperação no âmbito econômico-social, aos
desafios colocados pela defesa dos direitos humanos e do meio-ambiente, e aos
problemas do comércio, das finanças e das tecnologias".
Os povos da América falam a mesma linguagem, a linguagem da
democracia, do desenvolvimento, do direito. É, portanto, utilizando esse idioma
comum que devemos enfrentar, unidos, as novas ameaças à defesa e à segurança de
nosso continente.
Muito obrigado.